quinta-feira, 17 de novembro de 2011

CONSEQUÊNCIAS DO ASSIMILACIONISMO PORTUGUÊS EM ANGOLA

Resumo
Várias vezes tenho pensado sobre quando se fala da colonização portuguesa em Angola, senão mesmo do processo de assimilação evidenciada por Portugal, e sobre isto reflicto o seguinte:
Os portugueses concebiam o processo de assimilação como ocorrendo em três fases:
1ª Fase: A destruição das sociedades tradicionais;
2ª Fase: A inculcação da cultura portuguesa;
3ªFase: A integração dos africanos «destribalizados» e «luzitanizados» na sociedade portuguesa.
§  Estes era precisamente o caminho seguido no Brasil e toda a gente sabia como os portugueses tinham assimilado com êxito os negros do Brasil. No entanto, a economia, a ecologia, a demografia racial e a longa história da escravatura do Brasil, estavam longe das realidades angolanas. Os africanos desenraizados trazidos para o Brasil, ficaram impossibilitados de se valer das suas instituições, padrões sociais ou valores tradicionais para suster as suas identidades culturais perante as exigências de adoptar a linguagem, a cosmologia, o vestuário, a alimentação e os deuses da classe dominante.
§  Embora os negros se não encontrassem incorporados em todos os níveis da sociedade brasileira, estavam quase totalmente assimilados e, por conseguinte, eram culturalmente mais brasileiros do que kimbundu, kikongo ou yoruba.
§  Em Angola, os portugueses não conseguiram sequer concretizar a primeira fase do processo de assimilação.
Na República de Angola coexistem e interagem vários grupos etnolinguísticos com diferentes línguas maternas africanas, para além do Português que é, simultaneamente e por razões de Estado, a língua oficial. As referidas línguas maternas africanas servem de pólo aglutinador e dinamizador de cada uma das culturas específicas a que servem de suporte e não podem, nem devem continuar a ser excluídas, de entre os pré-requisitos indispensáveis ao desenvolvimento do País. Com efeito, pese embora a acção de sentido contrário e altamente meritória conduzida pelas diferentes confissões religiosas que operam em Angola, a política assimilacionista perpetrada pelo colonialismo português, ignorou os saberes dos povos de Angola e inviabilizou ou, pelo menos, dificultou a integração de novos saberes e a sua repercussão no desenvolvimento do País.

A partilha de África, de acordo com os interesses dos diferentes colonizadores e a consequente artificialidade das fronteiras entre Estados, vieram dificultar e retardar ainda mais a acção do poder instituído, até porque este, legitimamente empenhado em oferecer igualdade de oportunidades aos cidadãos, caiu na tentação de considerar que todos os angolanos têm à partida os mesmos conhecimentos, quer no plano qualitativo, quer no quantitativo, no que se refere ao domínio da única língua de escolaridade – o Português.
Dentre os vários grupos etnolinguísticos que compõe o mosaico cultural de Angola, os que mais assimilaram a cultura europeia eram os Kimbundu que segundo, Lawrence W. Henderson:
‘’Os Kimbundu aprenderam não só o português ao serem assimilados, como foram eles quem produziu as primeiras obras da literatura escrita angolana.‘

Todos os povos de Angola possuíam uma riquíssima literatura de transmissão oral – contos populares, provérbios, poesias e canções – mas foi entre os africanos fixados, principalmente em Luanda, nos finais do século XIX, que surgiu a literatura escrita.

ESSÊNCIA DO ASSIMILASSIONISMO DESTINADO PARA OS ‘’INDÍGENAS’’ DE ANGOLA
É relevante em primeiro lugar compreender o termo ‘’indígena’’ que provém do latim, que significa «o que é natural do lugar ou país que habita; aborígene; autóctone (seja homem animal ou planta).
Este termo no contexto do colonialismo, esteve também relacionado com as expressões «clero indígena», «clero nativo» ou ainda «clero autóctone». Por sua vez, estes termos aplicados no domínio da teologia, significam «a necessidade interna de radicar, em todos os espaços sócio-culturais, a estrutura hierárquica da igreja, ou seja, a necessidade de recrutar geralmente no próprio meio, os quadros que presidem às comunidades locais e de fazê-los entrar ao nível superior na intercomunicação dos quadros estruturais da Igreja universal».
Porém tais expressões, e consequentemente o termo indígena, na perspectiva histórica, vieram «a constituir problemas após os contactos de culturas encetados na época dos descobrimentos», isto, porque a tarefa de recrutar indígenas consubstanciou-se em atitudes que, por vezes, chocaram com a cultura tradicional; daí, a multiplicidade e a complexidade de factores de recrutamento e preparação de quadros ‘’indígenas’’.
Para os ideólogos do sistema colonialista e seus apoiantes, o entendimento de indígena desprovido de preconceitos rácicos e etnocentristas é de pôr de parte. Para os colonialistas portugueses da época, como Serra Frazão, o termo serve para designar, «o preto boçal», atribuindo a ele categorias de ‘’inferior’’ ‘’atrasado’’ ou ‘’primitivo’’, são o exemplo da forma como era caracterizado o nativo indígena africano de Angola, Guiné e Moçambique.
No meio colonial, era reconhecido que a instrução poderia constituir uma arma ofensiva e defensiva, consoante o sentido e a direcção que se lhe desse. As preocupações coloniais com a forma como a escola devia contribuir para a exploração das riquezas das colónias, visando a obtenção de lucros imediatos, por um lado, a moralização da opinião pública (nacional e internacional), para garantir a continuação sem sobressaltos da ‘’grande missão’’ de evangelização dos ‘’indígenas’’ (em nome de Deus), da nacionalização e ocupação efectiva das colónias (em nome da Pátria), e de assimilação das suas gentes (em nome da Civilização), por um lado, constituíram as bases orientadoras das ideólogos e políticos portugueses pró-colonais.

Deste modo, toda a política colonial de ensino destinada aos nativos indígenas em Angola, desde cedo, procurou subalternizá-los por intermédio da inculcação de temas afectos à trilogia Deus-Pátria-Civilização.
Esta politica de ensino para ‘’indígenas’’, executada predominantemente por missionários, só seria garantida com o alcance daqueles três elementos da trilogia ultramarina de ensino, tacitamente presentes nas determinações oficiais, tais como aconteceu a trilogia metropolitana, Deus-Pátria-Família. A satisfação das preocupações de ordem religiosa, por meio da expansão da fé (simbolizando Deus), a satisfação das preocupações inerentes à política da nacionalização dos ‘’indígenas’’, assente na exaltação e inculcação de valores e costumes portugueses, permitindo assim a expansão e controlo do império (simbolizando a grandiosa Pátria), e, por último, a sua assimilação pelo trabalho (simbolizando o conceito português de Civilização nas áreas sob regime de indigenato). 
Em nossa opinião, o processo de assimilação com todos os requisitos pela metrópole preconizada, não conseguiu almejar os seus objectivos últimos porque para além da resistência, os africanos em geral e em particular os angolanos, estavam fortemente enraizados nos seus hábitos, nos costumes, no seu modus vivendi, enfim, na sua cultura de modo que Portugal, não se viu satisfeita na sua plenitude pelo facto de que o assimilicionismo acarretaria elevados dispêndios por parte da metrópole.
Como diz Edmundo Rocha:
’Apesar de uma presença de cinco séculos, o colonialismo português não conseguiu desestruturar e «portugalizar» as diversas etnias angolanas. No confronto, durante séculos, entre duas civilizações com comportamentos e filosofias diametralmente opostas, vastos sectores da sociedade angolana conseguiram furtar-se, durante centenas de anos, ao processo de assimilação cultural e social.’’

A tomada de consciência das diferentes etnias africanas face ao ocupante português, foi variável nas formas e nas atitudes. A grande maioria, sobretudo os que viviam nos reinos e chefaturas do interior de Angola, opôs-se violentamente à ocupação, durante séculos. Outros povos angolanos procuravam na emigração nos países vizinhos as vias promocionais para as melhores condições de vida. A maioria foi obrigada a submeter-se e a adaptar-se a viver diariamente com o regime colonial.

Mas foi, contudo, esta minoria «assimilada» que primeiro tomou consciência da sua condição de «submetida» de uma potência colonial sem capacidade financeira, sem meios materiais e demográficos e sem desígnios morais para «civilizar» e poder elevar o nível cultural e económico dos milhões de angolanos.
É preciso lembrar que, a partir da década de 1940, Portugal acelerou sua política de colonização na África, estimulando a ida de portugueses para lá fixarem residência e trabalharem. Segundo algumas fontes, cerca de 300.000 portugueses estariam vivendo em Angola em 1970, e em torno de 150.000 em Moçambique.
Ainda na década de 1960, perante uma nova conjuntura externa marcada pelas independências políticas das antigas colónias inglesas e francesas na Ásia e na África e pelas crescentes pressões das Nações Unidas contra a permanência de regimes coloniais, e também diante das atribulações políticas causadas pelas primeiras sublevações armadas em Angola, a coesão interna do regime salazarista começa a se desfazer em razão do crescente descontentamento, mesmo no interior do governo, relativo tanto à delicada questão do assimilacionismo nas colónias como ao intransigente centralismo até então vigente.

O QUE MUDOU DEPOIS DE 1960?
No inicio dos anos 60, período em que estavam em processo de esfacelamento os decadentes impérios coloniais britânico e francês, é também lembrado como o marco inicial das primeiras revoltas de grupos armados, em cenário africano, contra o colonialismo português.
A África foi, então, palco de uma série de independências políticas que havia sido desencadeada desde a emancipação de Gana, em Março 1957, e da Guiné-Conacry, em Setembro do ano seguinte. Mas foi somente em meados da década de 70 que as então denominadas ‘’províncias ultramarinas’’ portuguesas romperam com a metrópole e com um diferencial em relação a outros países do continente: sem se acomodarem em soluções neocoloniais.

No caso de Angola, arrastaram-se quatorze anos de luta armada, desde o início de 1961 até meados de 1975, período de sua independência e da quase completa derrocada do Império Colonial Português.
Nos anos 60, os nacionalistas angolanos, com a intensificação de sua militância, que já vinha se formalizando desde a década anterior, não tiveram dificuldades em obter o apoio explícito de governos africanos recém-constituídos. Assim, o primeiro dos movimentos de libertação nacional formado naquela colónia, a União dos Povos Angolanos (UPA), pôde contar, em nome da causa pan-africanista e por razões geo-estratégicas, com o financiamento económico e o auxílio militar-logístico de países como o Zaire, Gana, Guiné-Conacry e Egipto e, fora do continente, dos Estados Unidos cuja política externa havia sido atraída pela retórica anticomunista de Holden Roberto, um dos fundadores e o principal líder da UPA e depois da Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA).
Outro importante movimento nacionalista, rival da UPA, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), de orientação ideológica marxista, teria também seus aliados externos, entre eles o Congo-Brazzaville, Zâmbia, a União Soviética e, em especial, Cuba. Internamente, sobretudo em Luanda e no meio rural das províncias ao norte, surgiam os primeiros grupos de guerrilheiros que iriam entrar em confronto com os oficiais em quarentena nos postos administrativos, nos estabelecimentos militares e nas prisões sob os quais flamulava a bandeira portuguesa.
Esse é o início das chamadas Guerras de Libertação/Guerras de Independência/Guerras Coloniais, primeiramente em Angola, e depois alastradas para outras colónias.

RELEVÂNCIA DAS REVOLTAS ANTI-COLONIALISTA
Entrementes, em Angola a repressão policial e militar a alguma revolta civil passaria então a ser executada com desproporcional violência, como é o exemplo dos plantadores de algodão na Baixa do Cassanje (Malanje), quando a retaliação das forças armadas portuguesas, usando napalm, matou cerca de sete mil camponeses que se manifestavam pacificamente contra suas condições de trabalho. Em Luanda, em 4 de Fevereiro de 1961, a acção armada de nacionalistas angolanos foi respondida com uma brutal repressão nas periferias os musseques da cidade, o que provocou centenas de mortos.

Só nesses primeiros meses de guerra, teriam morrido, segundo fontes nacionalistas, 70.000 africanos do Norte de Angola, e cerca de dois mil portugueses. Já o número de refugiados para o Congo, ao Norte, chegou a ser contabilizado em 150.000. A própria competição entre comités de solidariedade dos movimentos nacionalistas, formalmente criados alguns anos antes, para a captação desses refugiados na fronteira engendrou conflitos entre militares da União das Populações de Angola (UPA), formado naquela mesma região, e do Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA), formado por luandenses e presente nas regiões do Norte e no Congo desde fins de 1961.
Foi, todavia, a UPA, o primeiro movimento a levantar em armas contra o colonialismo português, quando, em meados de Março de 1961, na cidade congolesa de Ndjiji, são recrutados os primeiros combatentes para acções de guerrilha na fronteira. O MPLA passará para a luta armada pouco mais tarde, em Novembro do mesmo ano, quando sua primeira operação militar, chefiada pelo Comandante Tomás Ferreira, é aniquilada pelas forças da UPA. Com ideologias e propostas nacionalistas bastante diversas, as duas frentes de libertação iriam se chocar ao longo dos anos, passando o MPLA somente a ter preponderância como alternativa programática de combate ao colonialismo e como proposta de formação de um novo país, apenas após 1965.

Referências Bibliográficas
§  BENDER, Gerald J. (2004) ''Angola sob Domínio Português - Mito e Realidade'', Edições Nzila, Luanda.
§  CORREIA, Pezarat (1991) ''Descolonização de Angola: a Jóia do Império Português'',Luanda: Editorial Inquérito, Ler e Escrever.
§  ROCHA, Edmundo (2009) ''ANGOLA – Contribuição ao Estudo da Génese do Nacionalismo Moderno Angolano - Período de 1950 a 1964'', Colecção Olhar a História, Lisboa.
§  HENDERSON, Lawrence W. (1990) ''A Igreja em Angola'', Editorial Além-Mar, Lisboa.
§  ZAU, Filipe (2002) ''Angola: Trilhos para o Desenvolvimento'', Lisboa, Universidade Aberta.
Leia também:
§  O ‘’indígena’’ africano e o colono ‘’europeu’’: a construção da diferença por Processos legais - Maria Paula G. Meneses.
§  O Ensino Colonial Destinado aos ‘’Indígenas’’ de Angola. Antecedentes do Ensino Rudimentar Instituído pelo Estado Novo – Alfredo Noré e Áurea Adão.
§  Os Colonos da África portuguesa sob o regime colonial e seu deslocamento para o Brasil na pós-independência - Zeila de Brito Fabri Demartini e Daniel de Oliveira Cunha.
§  Voz de Angola em Tempo de Ultimato - Aida Freudenthal.

1 comentário:

Unknown disse...

Não me parece correto afirmar que em Angola, os portugueses não conseguiriam sequer aplicar a primeira fase, do assimilacionismo, porque se essa afirmação fosse verídica, porque não é, explique-me porquê a maioria da população angola fala o português, ainda este ano, foram divulgados dados estatísticos sobre as línguas em Angola, e mais de 70% dos angolanos já falam o português (sendo que nas cidades o português é já a língua materna da maioria dos angolanos (falo por experiência própria porque vivi lá)!!! parece que afinal até conseguiram aplicar o assimilacionismo !