Resumo
Várias
vezes tenho pensado sobre quando se fala da colonização portuguesa em Angola,
senão mesmo do processo de assimilação evidenciada por Portugal, e sobre isto
reflicto o seguinte:
Os portugueses concebiam o processo de
assimilação como ocorrendo em três fases:
1ª Fase: A
destruição das sociedades tradicionais;
2ª Fase: A
inculcação da cultura portuguesa;
3ªFase: A
integração dos africanos «destribalizados» e «luzitanizados» na sociedade
portuguesa.
§ Estes
era precisamente o caminho seguido no Brasil e toda a gente sabia como os
portugueses tinham assimilado com êxito os negros do Brasil. No entanto, a
economia, a ecologia, a demografia racial e a longa história da escravatura do
Brasil, estavam longe das realidades angolanas. Os africanos desenraizados
trazidos para o Brasil, ficaram impossibilitados de se valer das suas
instituições, padrões sociais ou valores tradicionais para suster as suas
identidades culturais perante as exigências de adoptar a linguagem, a
cosmologia, o vestuário, a alimentação e os deuses da classe dominante.
§ Embora
os negros se não encontrassem incorporados em todos os níveis da sociedade
brasileira, estavam quase totalmente assimilados e, por conseguinte, eram
culturalmente mais brasileiros do que kimbundu, kikongo ou yoruba.
§ Em
Angola, os portugueses não conseguiram sequer concretizar a primeira fase do
processo de assimilação.
Na República de Angola coexistem e interagem vários
grupos etnolinguísticos com diferentes línguas maternas africanas, para além do
Português que é, simultaneamente e por razões de Estado, a língua oficial. As
referidas línguas maternas africanas servem de pólo aglutinador e dinamizador de
cada uma das culturas específicas a que servem de suporte e não podem, nem
devem continuar a ser excluídas, de entre os pré-requisitos indispensáveis ao
desenvolvimento do País. Com efeito, pese embora a acção de sentido contrário e
altamente meritória conduzida pelas diferentes confissões religiosas que operam
em Angola, a política assimilacionista perpetrada pelo colonialismo português,
ignorou os saberes dos povos de Angola e inviabilizou ou, pelo menos,
dificultou a integração de novos saberes e a sua repercussão no desenvolvimento
do País.
A partilha de África, de acordo com os interesses dos
diferentes colonizadores e a consequente artificialidade das fronteiras entre
Estados, vieram dificultar e retardar ainda mais a acção do poder instituído,
até porque este, legitimamente empenhado em oferecer igualdade de oportunidades
aos cidadãos, caiu na tentação de considerar que todos os angolanos têm à
partida os mesmos conhecimentos, quer no plano qualitativo, quer no
quantitativo, no que se refere ao domínio da única língua de escolaridade – o
Português.
Dentre
os vários grupos etnolinguísticos que compõe o mosaico cultural de Angola, os
que mais assimilaram a cultura europeia eram os Kimbundu que segundo, Lawrence W. Henderson:
‘’Os
Kimbundu aprenderam não só o português ao serem assimilados, como foram eles
quem produziu as primeiras obras da literatura escrita angolana.‘’
Todos os povos de Angola possuíam uma
riquíssima literatura de transmissão oral – contos populares, provérbios,
poesias e canções – mas foi entre os africanos fixados, principalmente em
Luanda, nos finais do século XIX, que surgiu a literatura escrita.
ESSÊNCIA
DO ASSIMILASSIONISMO DESTINADO PARA OS ‘’INDÍGENAS’’ DE ANGOLA
É relevante em primeiro lugar
compreender o termo ‘’indígena’’ que
provém do latim, que significa «o que é natural do lugar ou país que habita;
aborígene; autóctone (seja homem animal ou planta).
Este termo no contexto do colonialismo,
esteve também relacionado com as expressões «clero indígena», «clero
nativo» ou ainda «clero autóctone».
Por sua vez, estes termos aplicados no domínio da teologia, significam «a
necessidade interna de radicar, em todos os espaços sócio-culturais, a
estrutura hierárquica da igreja, ou seja, a necessidade de recrutar geralmente
no próprio meio, os quadros que presidem às comunidades locais e de fazê-los
entrar ao nível superior na intercomunicação dos quadros estruturais da Igreja
universal».
Porém tais expressões, e
consequentemente o termo indígena, na perspectiva histórica, vieram «a constituir
problemas após os contactos de culturas encetados na época dos descobrimentos»,
isto, porque a tarefa de recrutar indígenas consubstanciou-se em atitudes que,
por vezes, chocaram com a cultura tradicional; daí, a multiplicidade e a
complexidade de factores de recrutamento e preparação de quadros ‘’indígenas’’.
Para os ideólogos do sistema
colonialista e seus apoiantes, o entendimento de indígena desprovido de
preconceitos rácicos e etnocentristas é de pôr de parte. Para os colonialistas
portugueses da época, como Serra Frazão, o termo serve para designar, «o preto boçal», atribuindo a ele
categorias de ‘’inferior’’ ‘’atrasado’’ ou ‘’primitivo’’, são o exemplo da forma como era
caracterizado o nativo indígena africano de Angola, Guiné e Moçambique.
No meio colonial, era reconhecido que a
instrução poderia constituir uma arma ofensiva e defensiva, consoante o sentido
e a direcção que se lhe desse. As preocupações coloniais com a forma como a
escola devia contribuir para a exploração das riquezas das colónias, visando a
obtenção de lucros imediatos, por um lado, a moralização da opinião pública
(nacional e internacional), para garantir a continuação sem sobressaltos da
‘’grande missão’’ de evangelização dos ‘’indígenas’’ (em nome de Deus), da
nacionalização e ocupação efectiva das colónias (em nome da Pátria), e de
assimilação das suas gentes (em nome da Civilização), por um lado, constituíram
as bases orientadoras das ideólogos e políticos portugueses pró-colonais.
Deste modo, toda a política colonial de ensino
destinada aos nativos indígenas em Angola, desde cedo, procurou
subalternizá-los por intermédio da inculcação de temas afectos à trilogia Deus-Pátria-Civilização.
Esta politica de ensino para
‘’indígenas’’, executada predominantemente por missionários, só seria garantida
com o alcance daqueles três elementos da trilogia ultramarina de ensino,
tacitamente presentes nas determinações oficiais, tais como aconteceu a
trilogia metropolitana, Deus-Pátria-Família. A satisfação
das preocupações de ordem religiosa, por meio da expansão da fé (simbolizando
Deus), a satisfação das preocupações inerentes à política da nacionalização dos
‘’indígenas’’, assente na exaltação e inculcação de valores e costumes
portugueses, permitindo assim a expansão e controlo do império (simbolizando a
grandiosa Pátria), e, por último, a sua assimilação pelo trabalho (simbolizando
o conceito português de Civilização nas áreas sob regime de indigenato).
Em nossa opinião, o processo de
assimilação com todos os requisitos pela metrópole preconizada, não conseguiu
almejar os seus objectivos últimos porque para além da resistência, os
africanos em geral e em particular os angolanos, estavam fortemente enraizados
nos seus hábitos, nos costumes, no seu modus
vivendi, enfim, na sua cultura de modo que Portugal, não se viu satisfeita
na sua plenitude pelo facto de que o
assimilicionismo acarretaria elevados dispêndios por parte da metrópole.
Como diz Edmundo Rocha:
‘’Apesar de uma presença de cinco
séculos, o colonialismo português não conseguiu desestruturar e «portugalizar»
as diversas etnias angolanas. No confronto, durante séculos, entre duas civilizações
com comportamentos e filosofias diametralmente opostas, vastos sectores da
sociedade angolana conseguiram furtar-se, durante centenas de anos, ao processo
de assimilação cultural e social.’’
A tomada de consciência das diferentes
etnias africanas face ao ocupante português, foi variável nas formas e nas
atitudes. A grande maioria, sobretudo os que viviam nos reinos e chefaturas do
interior de Angola, opôs-se violentamente à ocupação, durante séculos. Outros
povos angolanos procuravam na emigração nos países vizinhos as vias
promocionais para as melhores condições de vida. A maioria foi obrigada a
submeter-se e a adaptar-se a viver diariamente com o regime colonial.
Mas foi, contudo, esta minoria
«assimilada» que primeiro tomou consciência da sua condição de «submetida» de
uma potência colonial sem capacidade financeira, sem meios materiais e
demográficos e sem desígnios morais para «civilizar» e poder elevar o nível
cultural e económico dos milhões de angolanos.
É preciso lembrar que, a partir da década de
1940, Portugal acelerou sua política de colonização na África, estimulando a ida
de portugueses para lá fixarem residência e trabalharem. Segundo algumas fontes,
cerca de 300.000 portugueses estariam vivendo em Angola em 1970, e em torno de
150.000 em Moçambique.
Ainda na década de 1960, perante uma nova conjuntura
externa marcada pelas independências políticas das antigas colónias inglesas e
francesas na Ásia e na África e pelas crescentes pressões das Nações Unidas
contra a permanência de regimes coloniais, e também diante das atribulações
políticas causadas pelas primeiras sublevações armadas em Angola, a coesão interna do regime
salazarista começa a se desfazer em razão do crescente descontentamento, mesmo
no interior do governo, relativo tanto à delicada questão do assimilacionismo nas colónias como ao
intransigente centralismo até então vigente.
O QUE MUDOU
DEPOIS DE 1960?
No inicio dos anos 60, período em que estavam em
processo de esfacelamento os decadentes impérios coloniais britânico e francês,
é também lembrado como o marco inicial das primeiras revoltas de grupos armados,
em cenário africano, contra o colonialismo português.
A África foi, então, palco de uma série de
independências políticas que havia sido desencadeada desde a emancipação de
Gana, em Março 1957, e da Guiné-Conacry, em Setembro do ano seguinte. Mas foi
somente em meados da década de 70 que as então denominadas ‘’províncias
ultramarinas’’ portuguesas romperam com a metrópole e com um diferencial em
relação a outros países do continente: sem se acomodarem em soluções
neocoloniais.
No caso de Angola, arrastaram-se quatorze anos de luta
armada, desde o início de 1961 até meados de 1975, período de sua independência
e da quase completa derrocada do Império Colonial Português.
Nos anos 60, os nacionalistas angolanos, com a
intensificação de sua militância, que já vinha se formalizando desde a década
anterior, não tiveram dificuldades em obter o apoio explícito de governos
africanos recém-constituídos. Assim, o primeiro dos movimentos de libertação
nacional formado naquela colónia, a União dos Povos Angolanos (UPA), pôde
contar, em nome da causa pan-africanista e por razões geo-estratégicas, com o
financiamento económico e o auxílio militar-logístico de países como o Zaire, Gana,
Guiné-Conacry e Egipto e, fora do continente, dos Estados Unidos cuja política
externa havia sido atraída pela retórica anticomunista de Holden Roberto, um
dos fundadores e o principal líder da UPA e depois da Frente Nacional de
Libertação de Angola (FNLA).
Outro importante movimento nacionalista, rival da UPA,
o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), de orientação ideológica
marxista, teria também seus aliados externos, entre eles o Congo-Brazzaville,
Zâmbia, a União Soviética e, em especial, Cuba. Internamente, sobretudo em
Luanda e no meio rural das províncias ao norte, surgiam os primeiros grupos de
guerrilheiros que iriam entrar em confronto com os oficiais em quarentena nos
postos administrativos, nos estabelecimentos militares e nas prisões sob os
quais flamulava a bandeira portuguesa.
Esse é o início das chamadas Guerras de Libertação/Guerras
de Independência/Guerras Coloniais, primeiramente em Angola, e depois
alastradas para outras colónias.
RELEVÂNCIA DAS
REVOLTAS ANTI-COLONIALISTA
Entrementes, em Angola a repressão policial e militar
a alguma revolta civil passaria então a ser executada com desproporcional
violência, como é o exemplo dos plantadores de algodão na Baixa do Cassanje
(Malanje), quando a retaliação das forças armadas portuguesas, usando napalm,
matou cerca de sete mil camponeses que se manifestavam pacificamente contra
suas condições de trabalho. Em Luanda, em 4 de Fevereiro de 1961, a acção
armada de nacionalistas angolanos foi respondida com uma brutal repressão nas
periferias os musseques da cidade, o que provocou centenas de mortos.
Só nesses primeiros meses de guerra, teriam morrido, segundo
fontes nacionalistas, 70.000 africanos do Norte de Angola, e cerca de dois mil
portugueses. Já o número de refugiados para o Congo, ao Norte, chegou a ser
contabilizado em 150.000. A própria competição entre comités de solidariedade dos
movimentos nacionalistas, formalmente criados alguns anos antes, para a
captação desses refugiados na fronteira engendrou conflitos entre militares da
União das Populações de Angola (UPA), formado naquela mesma região, e do
Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA), formado por luandenses e
presente nas regiões do Norte e no Congo desde fins de 1961.
Foi, todavia, a UPA, o primeiro movimento a levantar
em armas contra o colonialismo português, quando, em meados de Março de 1961,
na cidade congolesa de Ndjiji, são recrutados os primeiros combatentes para acções
de guerrilha na fronteira. O MPLA passará para a luta armada pouco mais tarde,
em Novembro do mesmo ano, quando sua primeira operação militar, chefiada pelo
Comandante Tomás Ferreira, é aniquilada pelas forças da UPA. Com ideologias e
propostas nacionalistas bastante diversas, as duas frentes de libertação iriam
se chocar ao longo dos anos, passando o MPLA somente a ter preponderância como
alternativa programática de combate ao colonialismo e como proposta de formação
de um novo país, apenas após 1965.
Referências
Bibliográficas
§ BENDER, Gerald J. (2004) ''Angola sob Domínio Português - Mito e Realidade'', Edições Nzila,
Luanda.
§ CORREIA, Pezarat (1991) ''Descolonização de Angola: a Jóia do Império
Português'',Luanda: Editorial Inquérito, Ler e Escrever.
§ ROCHA,
Edmundo (2009) ''ANGOLA – Contribuição ao Estudo da Génese do Nacionalismo Moderno
Angolano - Período de 1950 a 1964'', Colecção Olhar a História, Lisboa.
§ HENDERSON,
Lawrence W. (1990) ''A Igreja em Angola'', Editorial Além-Mar, Lisboa.
§ ZAU,
Filipe (2002) ''Angola: Trilhos para o Desenvolvimento'', Lisboa, Universidade Aberta.
Leia também:
§ O ‘’indígena’’ africano e o colono ‘’europeu’’:
a construção da diferença por Processos legais - Maria Paula G. Meneses.
§ O Ensino
Colonial Destinado aos ‘’Indígenas’’ de Angola. Antecedentes do Ensino
Rudimentar Instituído pelo Estado Novo – Alfredo Noré e Áurea Adão.
§ Os Colonos da África portuguesa sob o regime colonial
e seu deslocamento para o Brasil na pós-independência - Zeila de Brito Fabri Demartini e Daniel de Oliveira Cunha.
§ Voz de Angola em Tempo de Ultimato - Aida
Freudenthal.
1 comentário:
Não me parece correto afirmar que em Angola, os portugueses não conseguiriam sequer aplicar a primeira fase, do assimilacionismo, porque se essa afirmação fosse verídica, porque não é, explique-me porquê a maioria da população angola fala o português, ainda este ano, foram divulgados dados estatísticos sobre as línguas em Angola, e mais de 70% dos angolanos já falam o português (sendo que nas cidades o português é já a língua materna da maioria dos angolanos (falo por experiência própria porque vivi lá)!!! parece que afinal até conseguiram aplicar o assimilacionismo !
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