quinta-feira, 10 de novembro de 2011

A África Sem História – Preconceito europeu e Contenção africana

A África é sem História?

Resumo
Em África, mais do que em qualquer outra parte, caminhamos sobre o nosso passado. A maior parte da história africana está enterrada e, para interrogar seriamente o passado deste continente, é preciso procurar abaixo da terra. Mas não se devem ir lá sem guia nem desordenadamente, porque, «quando não se sabe o que se procura, não se entende o que se encontra».
Segundo um preconceito arreigado, os africanos não teriam tido qualquer participação na obra geral da civilização. A África não teria história…até há poucos anos o passado da África era considerado sem interesse e a arqueologia africana tida como inexistente. Na realidade, a presumível barbárie dos africanos resultava sobretudo do desprezo com que os europeus dos fins do séc.XIX se aproximaram de populações que viviam há várias gerações em estado de guerra e insegurança permanentes.
As primeiras ideias sobre a não historicidade das sociedades africanas parecem ter sido expressas pelo filósofo alemão de grande renome J.G.Friedrich Hegel (1770-1831). À luz da filosofia ocidental, a África negra encontrar-se-ia excluída do processo histórico universal. Na sua obra Introdução à Filosofia da História (1830), escrevia precisamente:
‘’A África não apresenta interesse, não apenas do ponto de vista da sua própria história como também pelo facto de que vemos ali o Homem num estado de barbárie e de selvajaria que o impede de ser ainda parte integrante da civilização’’.
Hegel desconhecia a imensa biblioteca dos europeus do seu tempo e a campanha militar do seu vizinho Napoleão em 1798;nem podia ter tomado conhecimento dos trabalhos de Champollion Le-Jeune sobre a escrita egípcia. Como afirma Jostein Gaarder no seu livro O Mundo de Sofia, ''enquanto Atenas continuava a ser a capital da filosofia, com as escolas filosóficas deixadas por Platão e Aristóteles, Alexandria tornou-se a metrópole da ciência; com a sua grande biblioteca, esta cidade passou a ser  o centro dos estudos de matemática, astronomia, biologia e medicina''.
 Encontramos ainda ideias de A.P.Newton, a inferiorizar a África, quando declarava em 1923 que:
‘’A África não possuía nenhuma História antes da chegada dos europeus; este autor defendia ainda que a História começa quando o Homem se põe a escrever’’…
Em 1957 foi P.Gaxotte que escreveu sem pestanejar, na Revue de Paris:
‘’Estes povos nada deram a humanidade…e deve ter havido qualquer coisa neles que os impediu…estes povos nada produziram’’.
Outro grande historiador como Charles-André Julien, chegou ao ponto de entitular: «L’Afrique, pays sans Histoire» um parágrafo da sua obra L’Histoire de l’Afrique. Escreve aí:
‘’A África Negra, a verdadeira África, furta-se a História’’.
Assim, o conjunto de escrituras sobre a África, em particular as últimas décadas do século XIX e meados do século XX, contém equívocos, pré-noções e preconceitos decorrentes em grande parte das lacunas do conhecimento quando não do próprio desconhecimento sobre o referido continente.
Os africanos são identificados com designações apresentadas como inerentes às características fisiológicas baseadas em certa noção de raça negra.
Assim sendo, segundo Leila Leite Hernandez,
   ‘’o termo africano ganha um significado preciso: negro, ao qual se atribui um amplo espectro de significações negativas tais como frouxo, fleumático, indolente, incapaz, todas elas convergindo para uma imagem de inferioridade e primitivismo’’.
Em outros termos, aproximando a analogia o desconhecido ao conhecido, considera-se que a África não tem povo, não tem nação e nem Estado; não tem passado, não tem História.
Negada qualquer dimensão histórica aos seus povos, o continente africano passou a ser estudado apenas por linguístas, antropólogos, etnólogos, contaminados por profundo viés analítico eurocentrista. O que em geral pretendiam (e "conseguiam") era confirmar seus preconceitos sobre os "seres primitivos", as "ilhotas culturais", "sociedades estáticas e exóticas"; conceitos que povoavam a imaginação e atiçaram a curiosidade de algumas populações europeias. Foi o auge do efémero racismo científico que proclamava a inferioridade biológica dos negros e de outros povos não brancos.
 Outrossim, lemos várias citações e ao lê-las, deparamo-nos com alguns preconceitos senão mesmo com o desejo de espezinhar os africanos de que nada teriam feito para o desenvolvimento da humanidade e que para os europeus os africanos são de espírito não desenvolvido, um espírito a-histórico.
Ora vejamos que em nossa visão, discordamos do pressuposto de que a África é uma parte ahistórica, porque:
1º O facto de que os povos ‘’ágrafos’’ como diziam os europeus, povos sem escrita, não terem documentos escritos senão mesmo registos dos seus factos, isto não retira a hipótese de serem um povo com história e com um passado bastante rico e que deram um grande contributo para o desenvolvimento da humanidade (de que irei fundamentar ao longo deste artigo);
2º Não é verdade de que os africanos não desenvolveram a escrita uma vez que a escrita não é o único elemento com que se pode fazer a história.
3º Quando se afirma que determinado povo é sem história, sem cultura, escamoteamos o conceito de cultura que segundo A.L.Kroeber: ’’Cultura é a totalidade de usos e adaptações que se relacionam com a família, a formação política, economia, o trabalho, a moralidade, o costume, o direito e as maneiras de pensar’’.
Estas coisas prendem-se com a vida das sociedades em são praticadas e morrem com elas, ao passo que os horizontes civilizacionais não se perdem. A «cultura» não está, pois, especificamente associada aos valores, mas a sua parte, ou meio, «civilizacional» é tecnológica e cumulativa.
COMO ENTENDER O TERMO «CONTINENTE NEGRO»?
De uma ponta à outra da História registada, a África tem sido lamentavelmente incompreendida e maltratada pelo resto do mundo. A humanidade simplesmente não reconhece as suas dívidas e obrigações para com a África. Na imaginária ocidental, África é o «continente negro». Uma metáfora, talvez, mas também o símbolo poderoso de uma persistente tendência para situar África e os seus habitantes num lugar separado do resto da humanidade. É óbvio o duplo significado da expressão: o «continente negro» não se refere unicamente ao negrume da floresta africana equatorial, à densidade das suas sombras tropicais, à negritude da pele africana, nem sequer à tradicional falta de conhecimentos sobre este continente.
John Reader, faz uma abordagem da expressão «continente negro», que para ele,
         ‘’(…) acima de tudo, a expressão tacitamente rotula a
          África como o sítio onde existe uma muito peculiar
          forma de escuridão – a escuridão da humanidade’’.
Neste contexto, é em África que se fazem as coisas mais horríveis, não porque a aptidão para tais comportamentos seja uma característica de toda a humanidade mas porque África é considerada por natureza mais selvagem e menos civilizada do que o resto do mundo. 
PORQUÊ ESTUDAR A HISTÓRIA DE ÁFRICA?
Todos nós, independentemente das nossas origens, da nossa cor da pele, da nossa religião, precisamos conhecer de onde viemos, porquê existimos e para onde vamos, para que possamos estar localizados no tempo e no espaço.
Estudar a história da África é essencial para se dar conta desse desafio. Estão aí manifestações culturais e religiosas que sobreviveram à escravidão. Através delas, e no embate com a discriminação racial, defluem comportamentos característicos, atavismos, expressões de sentimentos, formas de organização e de convivência comunitária... Não se pode negligenciar conhecimentos que ajudem a decifrar esse universo tão dinâmico em si, e que se confunde com a própria dinâmica social brasileira. São parte da ampla e irreprimível vontade da maioria do povo brasileiro se conhecer melhor, para ser melhor e construir uma sociedade melhor.
A ÁFRICA MOSTROU QUE TEM HISTÓRIA!
O eurocentrismo – a visão de que a Europa é o centro do mundo – perde o seu sentido, quando aprendemos com o estudo da pré-história africana que lá, provavelmente, se encontram as origens do homem sobre a terra.
Desde 1911, com as primeiras descobertas do desfiladeiro Olduvai e de um vasto sítio arqueológico que acompanha o Great Rift Valley (uma ranhura geológica que se estende por um planalto interior da África central, passa pela Etiópia e vai até o Iraque); e principalmente a partir de 1960 quando, superadas as dificuldades de aceitação pela ciência "comprometida" da antiguidade desses achados, expedições de renomados cientistas incrementaram aqueles estudos...
Não se pode mais negar a ancestralidade africana do género humano. Ao ponto de Roland Olivier – autoridade em estudos africanos – afirmar:
’’Todos nós pertencemos a África’’.
Logo após a Segunda guerra mundial os estudos de história atravessaram uma dupla evolução. Por um lado, a transformação da história, partindo da crónica para chegar a uma ciência social que trate da evolução das sociedades humanas, por outro, da substituição dos preconceitos nacionais por uma visão mais ampla". Mas não seria fácil varrer das Ciências Sociais os vestígios do racismo científico que fora amplamente hegemónico ao longo do século XIX, e que teimava em perdurar. Naturalmente que para conquistar o direito a história, teria que ser o próprio africano (com a cumplicidade dos negros da diáspora), o sujeito das acções. E é no campo da acção política que efectivamente se resolvem questões de tal envergadura.
Foram decisivas para essa virada, os processos de luta e as conquistas das independências que empolgaram os povos africanos e galvanizaram a atenção de todo o mundo nas décadas de 50 e 60, ao mesmo tempo que a repercussão mundial das lutas dos negros norte-americanos pelos direitos civis.
Amílcar Cabral afirmaria com toda propriedade:
‘’Mais do que as disputas cruciais entre as superpotências. Mais do que as lutas de classes nos povos desenvolvidos, as lutas dos povos do terceiro mundo contra o colonialismo e o racismo são o motor da marcha da história da nossa época’’.
No 1o Congresso Internacional de Africanistas – Acra/Gana-1962: mais de 800 participantes. Kwame N’Krumah (presidente de Gana naquele momento e refinado intelectual com dois doutorados nos USA), descreveu em linhas gerais, no discurso inaugural, as responsabilidades da disciplina histórica para com a nova África.
Três anos depois, aconteceu o Seminário de Dar-es-Salam/Tanzânia-1965 – tema: “Novas Perspectivas para a história africana”. A partir daí (foram citados apenas três dos mais importantes), dá-se a avalanche de estudos e estudiosos. Agora eram profissionais – antes quem escrevera sobre a história da África, muitas vezes contribuindo positivamente, mas foram sempre amadores – que assumiam cargos em universidades europeias, com recursos e poder de influência. Também em África começaram a surgir importantes centros de estudos.
Em 1950 não havia nenhum historiador profissional que se dedicasse exclusivamente a pesquisar a história africana e ensiná-la. Vinte anos depois, cerca de 500 historiadores com doutorado ou qualificação equivalente elegeram a história da África como actividade principal.
A evolução dessa articulação intelectual e política alcançou, então, os organismos permanentes internacionais ainda na década de 60. Amadou Mattar M’Bow, eminente intelectual senegalês, assume o cargo de director geral da UNESCO – Órgão das Nações Unidas para a Ciência e a Cultura. Entre 1965-69 foi gastado sob seu patrocínio um ambicioso projecto: tratava-se de organizar o mais extensa e completamente a historiografia sobre África até o momento, ao mesmo tempo, que propiciar aos especialistas as condições de intensificar e aprimorar pesquisas com diversas abordagens, além de estudarem mais ampla e detidamente as relações interregionais em África e dessa com outros continentes. O resultado foi oito volumes com cerca de 800 páginas cada. A redacção e a publicação das obras ficarão a cargo de um comité internacional de trinta e nove membros (dois terços de africanos) sob a coordenação geral de Joseph Ki-Zerbo – um professor senegalês.
A HISTÓRIA DE ÁFRICA É PARTE INCONTESTÁVEL DA HISTÓRIA DO MUNDO!
Hoje, são incontáveis os estudos que provam que historicamente o continente africano é uno. A partir do século VII há registros escritos dos contactos regulares entre os muçulmanos do norte e os povos do Sudão ocidental e central (toda região que vai da costa noroeste à nordeste, abaixo do Sahara e acima da floresta equatorial); bem antes, porém, há notícias de ligações comerciais entre os Berberes e esta mesma região; além dos cartagineses que teriam atingido o golfo da Guiné ainda nos anos iniciais da era cristã.
Também na região nordeste da África são mais do que conhecidas as relações entre os etíopes e os povos do norte do continente, ainda na antiguidade. Após o declínio do antigo império egípcio e o sucessivo domínio do delta do Nilo por Persas, Gregos, Assírios, foram as dinastias Kush-Meroe, que vinham do sul, que restauraram o império egípcio, pouco antes da era cristã. Pela mesma época, tomava vulto nas terras altas da Etiópia o reino de Axum, que chegou a ser “o maior mercado de marfim do nordeste da África”.
Nos anos 50 e 60, a egiptologia e particularmente os trabalhos de Sheik Anta Diop – físico e historiador senegalês – sacudiram a opinião pública mundial ao afirmarem que as grandes civilizações egípcias da antiguidade eram negras.
Actualmente existe farta bibliografia sobre as sociedades pré-coloniais, dando conta de que, em quase todas as regiões houve, tanto sociedades horizontais – não hierarquizadas, que não constituíram Estados – quanto sociedades política e economicamente mais complexas, com a formação de Estados.
Variadíssimos reinos ou impérios foram fundados em África, dos quais passaremos a citar alguns:
Na África Centro-Ocidental:
§  O Reino do Congo: Antes da chegada dos portugueses possuía uma sólida economia baseada na agricultura com técnicas complexas, principalmente dos cereais. Depois do século XVI sua história se confunde com a história do tráfico.
§  O Reino do N'dongo: fundado no início do século XVI. a) Foi o reino onde despontou N"Zinga M"Bandi, mulher extraordinária, a começar por ter se tornado chefe de um importante Estado e a principal liderança de uma coligação de vários povos do interior da região onde hoje é Angola.
No Sudão Ocidental:
§  O Império de Gana: que tinha no ouro seu principal produto, teve seu exército estimado por um escritor muçulmano, no seu auge – século X – em cerca de 200.000 homens. Este número, mesmo que super avaliado, dá uma ideia da riqueza e poder daquele Império. Quando entrou em decadência, no século XI foi derrotado pelo Império Almorávida.
§  O Império do Mali: foi fundado no século XIII por Sundiata, um nome que até os dias de hoje, evoca a mais profunda reverência do povo Mandinga e de todos os povos da região. A importância comercial do Mali fez o explendor de Tombuctu, um dos principais centros comerciais do Sudão. Tombuctu tornou-se um verdadeiro centro cultural com muitos letrados, médicos, juízes. O comércio livreiro é ai mais lucrativo que qualquer outro negócio.
No reinado de Mansa Mussa, este imperador do Mali, convertido ao Islão, fez uma peregrinação a Meca – 1307 a 1332. Foi tamanha a riqueza que levou consigo, que causou inflação durante anos nas regiões por onde passou, deixando marcas na imaginação dos povos muçulmanos.
§  O Império de Songhai (GAO): fundado na Segunda metade do século XV, marca a história não apenas como sucessor de Gana e Mali, mas pela qualidade de seu aparato administrativo. O Estado GAO possui, pela primeira vez no Sudão ocidental, um exército profissional e uma arrecadação sistemática de impostos.
É importante referir que, esses reinos e outros menores da região eram baseados na agricultura, mas encontravam no  comércio de longa distância um factor de ampliação de suas riquezas, prestígio de seus governantes e engrandecimento de suas artes e cultura. Sua decadência final só ocorre em função da emergência do comércio atlântico.
No Sudão Central:
§  As Cidades-Estado Hauças, cujo primeiro núcleo civilizatório teria surgido no século XI. Era uma sociedade profundamente urbanizada e a vida económica se estruturava em torno das cidades, em geral, fortificadas. Foi palco de uma revolução islâmica de profundo conteúdo social – a revolução de Osman Dan Fódio. Produzia um refinado artesanato em ferro, ouro, madeira e couro. O comércio que mantinha com as regiões sudanesas e com o norte da África só teve fim ao final do século XIX, com a ocupação dos exércitos coloniais.
Na Guiné Central e Equatorial:
§  O Reino de Oió: fundado no século XIII, era a capital política dos povos Yorubás. Estes, nunca chegaram a constituir grandes impérios, mas, desde o século X vinham desenvolvendo uma civilização que influenciou toda aquela região.
§  O Reino de Abomei: criado no século XVII em função do comércio negreiro. Era um Estado militarizado e com uma curiosidade: um destacamento de Amazonas famoso por sua combatividade.
§  O Reino de Benin: surgido no século XII, foi o único reino de maior expressão localizado em regiões florestais. Era fortemente influenciado pelos Yorubas, principalmente quanto ao desenvolvimento da magnífica produção artística. Máscaras de Bronze do Benin estão, até hoje, em exposição nos mais importantes museus da Europa.
§  A Confederação Ashanti: foi outro Estado importantíssimo, criado por volta de 1630. Seu poderio também se baseava no envolvimento com o tráfico de escravos.
Na África Centro-Oriental:
§  Esta região se caracteriza pela existência de uma vasta civilização do tronco linguístico Bantu, desde os primeiros anos da era cristã. Seus povos estão subdivididos em diversos grupos étnicos, que possuem em comum, além da base linguística, o domínio de técnicas agrícolas, da metalurgia do ferro e a prática do pastoreio de gado ovino e vacum. Ao que se sabe, apenas uma etnia Bantu, nesta região, constituirá um Estado de grande porte e com características absolutamente originais:
§  O Império dos Muene-Mutapas: localizado nas excepcionais terras do planalto rodesiano. É característica desse império, as Zimbabues (que deram o nome actual ao país onde se localizam), que quer dizer Casa Real. São fortificações construídas com blocos de pedra, com técnicas originais que surpreenderam os colonizadores. Para eles, era inaceitável que "selvagens" realizassem aqueles prodígios de tecnologia. Considera-se uma divisão na história dos povos construtores das Zimbabwes em duas fases: de 1075 a 1440, e deste ano, quando nasce o império Rozui (possivelmente um clã da etnia Shona), até 1830, quando teve fim a civilização Shona, invadida pelo povo N'Goni. Os Shona – e o império dos Muene-Mutapas ou Monomotapas, que quer dizer senhor das terras arrazadas – participaram do intenso movimento comercial hegemonizado pelos Árabes.

A TRADIÇÃO ORAL E SUA ESSÊNCIA PARA OS AFRICANOS
A tradição oral é ainda muito discutida como fonte histórica, embora cada vez menos. Os historiadores mais reticentes, a que chamaremos os «feiticistas», como Brunschvig, continuam a negar qualquer utilidade à tradição oral. Os funcionalistas que apenas vêem nela mitos tecidos para as necessidades de uma causa, são pouco mais ou menos da mesma opinião. Os Cronófilos lamentam que a ausência de cronologia segura, traga consigo um encadeamento arbitrário dos factos que torna difíceis ou falsas as relações causais, encontrando-se a perspectiva histórica comprimida, esquartejada ou destruída.
Durante muito tempo se pensaram que os povos sem escrita, são povos sem cultura. A África Negra não possui escrita, mas isto não impede que conserve um passado e que os seus conhecimentos e cultura sejam transmitidos e conhecidos.
Porém, em África quando morre um mais velho, desaparece uma biblioteca. Uma coisa é a escrita e outra o saber. A escrita é a fotografia do saber, mas não o saber. O saber é uma luz para o homem.
Em nossa visão, a escrita não é o cocuruto senão mesmo o único elemento com que se pode fazer a história, tudo porque existe outras fontes para a descrição da história de um povo; peso embora a escrita seja a mais perdurável segundo os europeus; mas os africanos usaram diversificadas formas de relatarem determinados acontecimentos por eles vivenciados.
A maior parte dos historiadores da África admite agora, porém, a validação da tradição, mesmo que muitos a considerem menos consistente do que as fontes escritas ou exigem que ela seja sustentada por uma outra fonte.
DIVERSAS FORMAS DE ESCRITAS CRIADAS PELOS AFRICANOS
A invenção decisiva que libertou as forças vivas da sociedade e a fez ascender a um estádio superior de organização foi a ESCRITA, que favorece a capitalização e a difusão das ideias, a coesão e o dinamismo do corpo social.
A África Negra conheceu alguns sistemas de escrita. Os Egípcios inventaram a escrita. Os seus hieróglifos eram de início símples desenhos que simbolizavam a coisa representada ou o seu conteúdo. Escrevia-se em papiros (donde veio a palavra papel), preparados a partir de uma planta ciperácea do Nilo.
Certas tribos usaram expressões gráficas. Os Mandingos, Dogons, Bambaras e Bozos usaram e ainda usam uma gama muito variada de sinais. Os homens Dogons empregam um sistema semelhante de 22 grupos contendo cada um 12 expressões. Parece que as mulheres empregam um sistema de sinais-figuras. Terá esta escrita algum parentesco com os hieróglifos egípcios?
Na Guiné, parece que existiram os alfabetos «toma» e «guéze». No entanto foi o árabe a primeira escrita espalhada pelo interior africano. Os negros depressa transcreveram as próprias línguas em caracteres árabes.
Encontramos na África Ocidental o ayami e muitas obras estão escritas em suaíli, haus, peul, kanuri, núbio e haussa.
 Os Vai da Libéria, inventaram um tipo de escrita com desenhos-figuras. Mais tarde deram ao desenho um valor fonético e a escrita passou a ser simbólica. Foi um negro expatriado da América que inventou a escrita dos Bassas da Serra Leoa; e a dos Mandés também se deve a um negro chamado Kisuna Kamala. É um sistema silábico em que as vogais são pontos colocados debaixo das consoantes.
Uma sociedade secreta do sul da Nigéria inventou uma escrita simbólica, chamada «nsibidi» e Njoya, chefe bamun dos Camarões cria outra que ainda permanece desconhecida. Com esta redigiram a história do povo e dos seus chefes.
A escrita não é um sinal, um símbolo humano como tantos outros? Em alguns aspectos da cultura, não atingiram certas sociedades um requinte, sem utilizar a escrita? Estas lacunas são falhas históricas e não carências metafísicas, consubstanciais a não ser que a ‘’natureza negra’’, pois alguns Negros inventaram sistemas de escrita e milhões de outros dominaram esta técnica.
A TRADIÇÃO ORAL - FONTE DE CONHECIMENTO PARA OS AFRICANOS
Contudo, a literatura oral foi sempre uma grande riqueza cultural. Os povos ágrafos são povos de extraordinária, memória. Na África Negra, a tradição oral não é apenas fonte principal de comunicação cultural. É uma cultura própria e autentica porque abarca todos os aspectos da vida e fixou no tempo as respostas às interrogações dos homens. Relata, descreve, ensina e discorre sobre a vida.
Através desta cultura, podemos descobrir o pensamento negro e os seus comportamentos individuais e sociais. A riqueza espiritual, o valor didáctico e histórico, o significado moral e o variado poder de expressão são uma prova eloquente da «sabedoria negra» e os especialistas vêem-se obrigados a aprofundá-la como processo eficaz para atingir o mundo negro.
A tradição negro-africana transmite o essencial. É um sistema de auto-interpretação. Através da tradição oral, a sociedade explica-se a si mesma. A história falada dos africanos aproxima-se de uma verdade ontológica, ou mais exactamente, ela fixa o olhar do homem nas questões ontológicas ignoradas pela história científica das sociedades europeias.
Para nós, dizia Bernard Dadié:
‘’os contos e as lendas são autênticos museus, monumentos, cartazes das ruas, numa palavra, são os nossos únicos livros’’.
A civilização negro-africana baseia-se na palavra; é essencialmente oral. A palavra é uma arte e há toda uma literatura elaborada pela oralidade…De facto a oralidade faz parte da maneira de ser do Negro-africano: aqui a palavra não voa, permanece e transmite-se piedosamente, de geração em geração, por intermédio de especialistas, isto é, dos mestres, os chamados ‘’poços ou sacos de sabedoria’’.
A tradição oral é assim, uma biblioteca, o arquivo, o ritual, a enciclopédia, o tratado, o código, a antologia poética e proverbial, o romanceiro, o tratado teológico e a filosofia.
O PASSADO DE ÁFRICA E SUA VALORIZAÇÃO
A valorização do passado do continente africano é um sinal dos tempos. O motivo subjectivo é evidente.
Como afirma Joseph Ki-Zerbo,
‘’Para os africanos trata-se da procura de uma identidade por meio da reunião dos elementos dispersos de uma memória colectiva’’.
Este ardor subjectivo tem ele próprio, o seu funcionamento objectivo no acesso à independência de numerosos países africanos, que durante a colonização, a sua história não passava de mero apêndice, de acrescento à história do país colonizador. O choque de culturas não pode deixar o africano desenraizado. Há princípios, valores, reflexões e estruturas que a África negra não pode perder porque constituem a sua especificidade-identidade cultural, o manancial da sua vivência, a sua riqueza nacional e moral. O passado colectivo, as raízes dum povo, constituem a herança e o património sagrado que cada indivíduo e cada comunidade recebem dos antepassados para ser o seu alimento, a razão profunda da sua existência.
Os antepassados de toda a humanidade evoluíram a partir da África. As mais antigas provas da sua existência foram descobertas na África Oriental…apesar de ser o segundo maior continente, África constitui 22% da superfície sólida da terra, mais concretamente numa área de 30.343.551 quilómetros quadrados.
Como dizia Patrice Lumumba na última carta a sua mulher:
                      “A história dirá um dia a sua palavra…
a África escreverá a sua própria História.”
Referências Bibliográficas
§  FAGE, J.D. (2010) ''História da África'', Edições 70, Lisboa.
§  GAARDER, Jostein (S/D) ''O Mundo de Sofia - Uma Aventura na Filosofia'', Editorial Presença, Brasil.
§  HERNANDEZ, Leila Leite (2005) ''A África na sala de aula – visita à História Contemporânea'', São Paulo, Selo Negro.
§  READER, John (2002) ''ÁFRICA – Biografia de um Continente'', Publicações Europa-América, Portugal.
§  KI-ZERBO, Joseph (2009) ''História da África Negra'', Volume I, Publicações Europa-América, Portugal.
§  KEITA, Boubakar N. (2009) ''História da África Negra'', Textos Editores, Luanda.
§  PAULME, Denise (S/D) ''As Civilizações Africanas'', Publicações Europa-América, Portugal.
§  PE.ALTUNA, Raul Ruiz de Asúa (2006) ''Cultura Tradicional Bantu'', Editora Paulinas, Luanda.
§  KROEBER, A.L. (1952) ''A Natureza da Cultura'', Edições 70, Lisboa.
Leia também:
§  A História da África nos bancos escolares. Representações e imprecisões na literatura didáctica - Anderson Ribeiro Oliva.
§  África ou a narrativa da utopia - Lúcia Helena Marques Ribeiro.
§  O Passado Presente na Literatura Africana – Rita Chaves.
§  Porque Estudar História da África? - Amauri Mendes Pereira.





2 comentários:

Unknown disse...

Os dois links são iguais.

Unknown disse...

Bom dia!
Uma das origens do preconceito de ser considerado um continente sem história antes da chegada dos europeus se deve ao desprezo dos europeus dos fins dos séculos XIX, se deve a tentativa de justificar a dominação territorial europeia, bem como a eugenia e os saques.
A priori a ideia da não historicidade da África pela primeira vez na obra de Hegel, justificando o não interesse dos estudos da África, pelo fato do homem africano viverem estado de barbarie e selvageria, sendo desconhecidas do autor referencias bibliográficas importantíssimas, essas ideias tiveram continuidade com A.P. NEWTON EM 1923 que justifica a ideia central da questão, para o autor a história africana começa com os registros escritos.
A África começa a ser estudada sendo marcada pelo pensamento eurocêntrico buscando justificar o domínio europeu. Em contraponto a todas as referencias de que a África é em parte ahistórica, o fato de não terem sido encontrados documentos escrito, não elimina a importância cultural da mesma, pois a escrita não é a única forma de vestígios históricos.
Ha necessidade de estudo desse continente para possível compreensão de nossa existência, bem como pelo fato de ser tão atrelada a dinâmica social brasileira, para se conhecer e reconhecer no tempo e no espaço, contribuindo para a construção de uma sociedade mais equilibrada.
A complexidade das sociedades africanas foram sendo descobertas a partir de meados do século XX, novos estudos e congressos com tema possibilitou entender que alguns reinos africanos possuiam rica estrutura social e econômica antes da chegada dos europeus, quebrando ou quem sabe pelo menos colocado em questão a falta de história africana antes da chegada dos europeus. A dúvida acerca das fontes históricas orais foi um dos fatores que contribuíram para a negação da história africana, sendo atualmente validada. A literatura oral desenvolvida por povos sem escrita é a principal fonte histórica, pois engloba todos os aspectos da vida, através dessas fontes orais se permite decodificar seus pensamentos, bem como comportamentos individuais e coletivos se auto - interpretando.