Resumo
Analisa-se o período referente
de 1961 à 1975, como sendo o período de viragem da história de Angola nas
relações internacionais, e, faremos uma viagem aos antecedentes marcantes e
incontornavelmente indeléveis não só para Angola mas para a África no geral,
atendendo que a década de 60, foi de grande valia para o continente africano
porque assistiu-se o renascer de muitos países africanos, isto é, estes, fruto
da luta contra a exploração colonial nos seus territórios, emanciparam-se com
tendência ao alcance da liberdade nos seus territórios, por isso, um dos
fenómenos marcantes das relações internacionais nos anos 60 foi o renascer dos
Estados africanos da opressão colonial. Contudo, muitos países de África
alcançaram às independências em 1960, altura que Angola ainda era uma ‘’Província Ultramarina’’ de Portugal; o
ano de 1961 marca uma nova viragem para este país com o início da luta armada,
fruto do descontentamento do jugo colonial português. A partir principalmente
de 1961, o problema colonial dos movimentos nacionalistas em Angola atingiu a
dimensão internacional, despertando assim a atenção dos grandes atores da política
mundial, nomeadamente da União Soviética e dos Estados Unidos da América; destacaremos
o papel dos movimentos de libertação (MPLA, FNLA e UNITA), como sendo os
principais paradigmas da liberdade.
PALAVRAS-CHAVE:
Movimentos de Libertação, Emancipação para a liberdade,
Internacionalização do Problema Angola, Apoios Internacionais, Independência
Nacional.
Title
Angola and the first wave of libertation in the
context of Internationals Relations – 1961 to 1975
Analyzes
concerning the period 1961 to 1975 as the period of turning the history of
Angola in international relations, and we will travel to the antecedents and
unavoidably indelible striking not only for Angola but for Africa in general,
given that the 60s, was of great value to Africa because there was a rebirth of
many African countries, that is, those, fruit of the struggle against colonial
exploitation in their territories were emancipated tending the scope of freedom
in their territories, so one of the striking phenomena of international
relations in the 60s was the revival of the African states of colonial
oppression. However, many African countries achieved independence in the 1960
time that Angola was still a ‘’Overseas Province’’ of Portugal, the year 1961
marks a new turning point for this country with the beginning of the armed
struggle, the result of discontent from the yoke colonial Portuguese. From 1961
especially, the problem of colonial nationalist movements in Angola reached the
international dimension, thus arousing the attention of the great actors of
world politics, including the Soviet Union and the United States of America, we
will highlight the role of liberation movements (MPLA, FNLA and UNITA), as the
main paradigms of freedom.
KEYWORDS: Liberation Movements, Emancipation for freedom,
Internationalization Problem Angola, Supports International, National
Independence.
Angola:
Dos Mitos do Colonizador à Génese da trajetória histórico-política no cenário
internacional
A doutrina da superioridade do europeu e da inferioridade do
africano, o mito da missão civilizadora e evangelizadora dos «selvagens», dos
«gentios», a incorporação dos colonizados no universo cultural dos
colonizadores, em particular através das missões católicas – «instrumentos de
civilização», segundo a Constituição Portuguesa de 1933 –, a concepção mística
da grandeza do Império, o racismo puro, eram alguns dos traços dominantes
da ideologia colonial portuguesa que, oscilando entre modalidades mais brutais
ou mais liberais, mas quase sempre paternalistas, procurou fundamentar a
sobrevivência do sistema colonial e assegurar a defesa dos interesses protegidos
por esse mesmo sistema, perante os sucessivos ventos da História [Guerra 1994:
18].
Esta Constituição Política de 11 de Abril de 1933 que
consagrava o Estado Novo, tratava-se de um diploma programático, denso de
conteúdo ideológico; marca na vida portuguesa o início de uma época, que se
opõe à Constituição demo-liberal de 1911 e procura subordinar a acção do Estado
a uma filosofia política, a uma ética social e económica, e a um sentimento místico.
A Constituição começa por descriminar o que é Portugal, do Minho a Timor e,
fica clara desde logo a concepção política do país: todos os territórios são
Portugal a igual título; e todos são por isso insusceptíveis de alienação. Além
disso, a Constituição incorpora e considera a matéria constitucional, o Acto
Colonial que Oliveira Salazar ao tempo da ditadura, promulgara em 30 de Abril
de 1930, enquanto encerrava a gerência no Ministério das Colónias [...] [Vaz
1992: 22]. No entanto, compreende-se a aceita-se que «o poder sempre esteve
dependente do contexto» [Nye 2012: 15].
Conquanto, é importante aqui referir que o nacionalismo
angolano tem as suas raízes muito antes do início da luta armada de 1961, tudo
porque já nos anos 1575 Ngola Kiluange ou Ngola Inene travara uma luta contra
Paulo Dias de Novais e, não podemos negar outras figuras de imcontornável valor
como Ngola Mbandi (filho de Ngola Kiluange), N'zinga Mbandi, Álvaro Tulante
Buta, Mandume Ya Ndemufayo, e tantos outros que travaram lutas intensas contra
o colonizador português em diversas áreas do território angolano.
É a partir da década de 50 que os colonos portugueses começam
a espalhar por todo o território angolano, desde Luanda até ao interior,
estabelecendo-se preferencialmente em actividades como o comércio, quadros
administrativos, forças de segurança; mas outros houve, que hipnotizados pela
riqueza do solo ou ainda, pela sua própria condição de rurais, optaram pela
exploração agrária, de onde previam enriquecer, contando para isso com a
generosidade da terra angolana e com a sujeição de uma mão-de-obra indígena, a
que não raras vezes travaram como escravos [Roque 2004: 22].
A luta armada começada em Fevereiro de 1961, foi a mais
significativa, fazendo soar bem alto o nome da Angola no cenário internacional,
atendendo que até àquela altura, Angola não era conhecida nem discutida nos
grandes círculos internacionais uma vez que Portugal tinha praticamente uma
política fechada para com as províncias ultramarinas.
De acordo com Adriano Moreira [2012: 165-175], 1961 era a data provável da acção armada, porque era a data em que o
ritmo de admissões de novos Estados na ONU faria perder a barreira do terço; este anúncio não necessitava de uma grande capacidade de previsão, mais
exprimia informação, porque desde o começo do ano que a UPA, MPLA e PAIGC
exigiam negociações para a independência por meio pacíficos, com a única
alternativa, em caso de recusa, da luta armada, a leitura de todas as
manifestações.
Tendo em conta este pressuposto e que o início da luta armada
era praticamente inevitável, o Governo Português decidiu enveredar pelo
implemento de reformas para acalmar a situação na intenção de fazer saber ou
mesmo ludibriar a opinião pública internacional que havia preocupação do Governo pela mudança
da vida sócio-política de Angola. No entanto, havia chegado a altura em que os
africanos no geral e os povos de Angola em particular, estavam cansados do fardo da colonização e, queriam a liberdade à todo custo e serem os responsáveis dos seus próprios
destinos.
De acordo com Dennet [2005: 15], há uma tradição generalizada que defende que
nós, seres humanos, somos agentes responsáveis, capitães do nosso destino.
O sentido de auto-valorização do homem e a sua exigência de a ver reconhecida
têm sido, até agora, apresentados como fonte de virtudes nobres, como a
coragem, a generosidade e a noção de serviço público, como esteio da
resistência à tirania e como razão de opção pela democracia liberal [Fukuyama
2011: 185].
A revisão constitucional de 1951 revoga o Acto Colonial. As
expressões ‘’império colonial’’ e ‘’colónias’’ desaparecem do discurso político
e do ordenamento legal. Regressam as ‘’províncias ultramarinas’’ e o
‘’ultramar’’. A mudança com se verificou muito rapidamente pela prática
política do regime, foi apenas cosmética. A opinião pública internacional
aconselhava a adaptar o sistema político português aos novos ventos – marcados
pelo ataque generalizado ao colonialismo e pelo surto de movimentos
autonomistas e independentistas em África [Catarino 1961: 8].
No plano da coordenação internacional, os sentimentos e a luta
anticolonialistas passaram pelo Congresso dos Povos Oprimidos (Bruxelas 1927),
pelo V Congresso Pan-Africano (Manchester 1945) e pela Conferência de Colombo,
convocada para 5 de Abril de 1954 para discutir a paz na Indochina e de onde
saiu a convocatória para a Conferência de Bandung. Reunida em 18 de Abril de
1955, a Conferência de Bandung foi o ponto decisivo de arranque para a profundo
e histórico movimento da descolonização [Guerra 1994: 30].
Em 18 de Abril de 1955, quando se inaugurou a Conferência de
Bandung, apenas 5 países africanos estavam independentes [Vaz 1992: 14]. Em
1955 havia cinco Estados independentes em África: Libéria (1847), União
Sul-Africana (1909), Egipto (1922), Etiópia (1941) e Líbia (1952). A África sob
administração francesa representava 36,6 % da superfície e 25% da população do
continente, a África de expressão inglesa 26,1 e 33% e a África de colonização
portuguesa 6,8 e 5,5% respectivamente [Guerra 1994: 27].
Foi em Bandung que nasceu o Terceiro Mundo e foi ali também
que se afirmou o dever de todos os povos libertados ajudarem os povos ainda
dependentes a alcançar a sua soberania e esta Conferência, mais do que uma
revolta moral contra o domínio europeu, foi positivamente a expressão, à escala
universal, da tomada de consciência da sua eminente dignidade pelos povos de
cor; é a morte do complexo de inferioridade [Vaz 1992: 14].
Convocada para apreciar as posições da Ásia e da África no
mundo contemporâneo, a Conferência considerou o colonialismo, em todas as suas
manifestações, como um mal a que se deve pôr termo imediatamente, a negação dos
direitos fundamentais do homem e da Carta das Nações Unidas assinada em 24 de
Outubro de 1945 – e um obstáculo para a paz e o desenvolvimento da cooperação
mundial. Daí que os 29 países presentes em Bandung tenham manifestado o seu
apoio à causa da liberdade e da independência de todos os povos e desafiado as
potências coloniais a concederem a liberdade e independência a esses povos [Guerra
1994: 30]. Conquanto, participaram da Conferência 15 países asiáticos (Afeganistão, Birmânia, Camboja, Ceilão, República Popular da China, Filipinas, Índia, Indonésia, Japão, Laos, Nepal, Paquistão, República Democrática do Vietnam, Vietnam do Sul e Tailândia), 8 do Oriente Médio (Arábia Saudita, Iémen, Irão, Iraque, Jordânia, Líbano, Síria e Turquia) e apenas 6 da África (Libéria, Etiópia, Egipto, Líbia, Sudão e Gana). A partir dos anos 60, o conceito de Terceiro Mundo esvazia-se
do seu conteúdo e os países que constituíam empenham-se num processo de
diferenciação, devido sobretudo às capacidades dos Estados para orientarem as suas
dinâmicas económicas [Carvalho 2011: 68].
A ideia feita, segundo a qual, a África é dos Africanos foi
reforçada com as votações dos Estados Unidos na Assembleia das Nações Unidas. A
posição deste país em África parece querer reafirmar-se com esse atitude [Caio 1961: 91].
A
pressão internacional à Portugal sobre suas possessões em África
A independência da Índia face ao Império Britânico, em 1947,
prenunciava o início de problemas graves com as possessões portuguesas de Goa,
Damão e Diu – que a União Indiana reclamava como parte integrante do seu
território. A transformação das colónias em províncias ultramarinas dava uma
resposta negativa a quaisquer pretensões descolonizadoras. Se eram igualmente
províncias, não podiam ser amputadas ao todo português. A revisão da
Constituição na parte respeitante ao Acto Colonial suscitou ‘’sérias
apreensões’’ à câmara alta do parlamento do Estado Novo [Catarino 1961: 8].
O ritual dos debates anuais das Nações Unidas sobre as
políticas africanas de Portugal em nada afectou os propósitos e as acções do
governo de Lisboa. O efeito mais positivo das Nações Unidas foi providenciar
assistência aos refugiados angolanos, que foram impedidos pela guerra em
direcção ao Congo-Kinshasa, à Zâmbia e até ao Congo-Brazzaville. Outro
campo onde as Nações Unidas alcançaram um resultado directo e positivo foi nas
publicações editadas pelo seu secretariado, incluindo estudos essenciais sobre
a África portuguesa [Wheeler & Pélissier 2011: 276-277].
No entanto, a entrada de Portugal nas Nações Unidas, em
Dezembro de 1955, representou um êxito tardio na diplomacia de Lisboa. A
admissão, apadrinhada pelos Estados Unidos e a Inglaterra, chegou a estar
prevista nos acordos de Postdam, em 1945 – mas, quando foi apresentada a
candidatura, um ano depois, já a Guerra Fria começava a fazer estragos. A União
soviética vetou a entrada de Portugal – que só se verificou dez anos mais
tarde, por ‘’trocos miúdos’’, como disse Salazar, num grupo de países restantes
da negociação entre as duas superpotências da época [Catarino 1961: 8-9].
Em 1955, e em resposta a uma pergunta das Nações Unidas, tomou
Portugal a decisão de declarar por escrito que não possuía territórios
não-autónomos para os efeitos e nos termos da Carta da ONU. Significaria isto
que o Governo Português entendia constituir o Ultramar parte integrante da
Nação, já independente com a independência desta, e que não consentiria
intromissões do organismo internacional na vida administrativa, económica e
política das Províncias Ultramarinas [Nogueira 1970: 17].
O Secretário-Geral das Nações Unidas, Dag Hammarshjold,
pergunta a Portugal se administrava territórios não autónomos. A resposta de
Salazar que chegou a Nova Iorque a 6 de Novembro de 1956, é cinicamente
verdadeira: ‘’Não’’ – mandou dizer o presidente do Conselho. A transformação
constitucional, em 1951, das colónias em províncias ultramarinas, com os mesmos
direitos, permitia juridicamente a resposta manhosa, afirmando ainda que os
territórios ultramarinos faziam parte do todo português [Catarino 1961: 9-10].
No entanto, não era recente esse resguardar de Portugal no que
concernia as suas ‘’possessões’’ em África, como nos afirma Frederico Rosa [apud
Verde 2013: 18-19], «Foi um longo e duro jogo diplomático que teve o seu
ponto culminante na célebre Conferência de Berlim de 1884-1885, onde Portugal
lutou por ver reconhecidos os direitos históricos ligados à antiguidade da sua
presença em África. O mapa do continente foi sendo pintado com diferentes cores
dos impérios projetados. Portugal, um parceiro pobre, necessariamente tolerado
na luta por África, tinha um mapa cor-de-rosa que unia Angola e Moçambique.
A participação de Portugal na ONU, nos primeiros anos, visa
conseguir o apoio dos países ocidentais na resistência às pressões
anticolonialistas. No meio do desaire, um prémio de consolação. Em 12 de Abril
de 1960, o Tribunal Internacional de Justiça, de Haia, dá razão a Portugal no
processo contra a União Indiana na sequência da invasão, por aquele país, dos
enclaves portugueses da Dadra e Nagar Aveli, em 22 de Julho de 1954. Os juízes
reconheceram a soberania portuguesa sobre os territórios e o direito de
passagem, pelo espaço indiano, entre Damão e os dois enclaves. Foi sol de pouca
dura [Catarino 1961: 10].
O reforço do bloco afro-asiático na ONU, que passa a ter 17
novos países africanos que alcançam a independência ao longo de 1960, anuncia
novos e sérios reveses para o regime português. Três resoluções aprovadas em
Dezembro desse ano lançam uma campanha devastadora contra a política colonial
portuguesa. Uma resolução prevê a concessão da independência aos países e povos
coloniais. Portugal limitou-se à abstenção – uma vez que declarava não possuir
territórios não autónomos nem colónias, nada tinha a opôr à condenação do
colonialismo. Outra resolução definia o conceito de território não autónomo em
termos que se aplicavam às ‘’províncias ultramarinas’’ portuguesas e as
condições de exercício da autoderminação [Catarino 1961: 10].
A terceira resolução apresenta uma lista das colónias
portuguesas, classificadas como territórios não autónomos, e insiste na
obrigação da potência administrante dar informações sobre as suas colónias.
França, Bélgica, Brasil, Espanha e África do Sul votam contra ao lado de
Portugal, mas as abstenções dos EUA e da Inglaterra são significantes e, o
pior, porém, estava por vir [Catarino 1961: 10-11].
Portugal no entanto, apoiada numa filosofia política e no seu
ordenamento jurídico, declarava-se, a partir da década de 50, alheio ao
fenómeno colonialista e imperialista, sem contudo se manifestar abertamente
anticolonialista e anti-imperialista. Quedava-se pela afirmação do princípio da
unidade nacional, tentando um sistema de descolonização desenvolvida na ordem
interna, facto que não logrou convencer a Comunidade Internacional [Vaz 1992: 24].
O
significado do ultramar para Portugal
Com os principais poderes europeus a aumentarem activamente os
seus movimentos em África, Portugal não podia ficar de braços cruzados. Era
necessária uma nova actividade, tanto na costa como no interior. Inicialmente,
essa atividade assumia a forma de exploração geográfica e de planos de
povoamento europeu. Sob a égide da Sociedade de Geografia de Lisboa, partiram
várias expedições para o interior de Angola, sobre os quais se sabia muito
pouco. Foi devido às viagens pós 1877, empreendidas por Serpa Pinto, do Bié
para leste e de Capello e Ivens para nordeste através de Malanje até à
Lunda. o êxito dessas ações levou ao reavivar do velho sonho português de
unir Angola a Moçambique; há anos que existia um ‘’mapa-cor-de-rosa’’
reivindicando jurisdição portuguesa sobre uma faixa interior de território
entre as duas colónias. Porém, a concretização de modo significativo dessa
jurisdição fazia-se difícil até 1886, altura em que Lisboa decidiu tentar ocupar
e controlar o território [Samuels 2011: 53].
O ultramar foi, ao longo dos três primeiros quartéis do século
XX, a chave da política portuguesa. O ultramar também constituiu uma das
principais prioridades do Estado Novo. O Ato Colonial, promulgado a 8 de Julho
de 1930, por iniciativa do então ministro interino das Colónias, Oliveira
Salazar, foi o primeiro diploma de natureza
constitucional do novo regime. O documento é um hino ao nacionalismo
triunfante, sublinhando a ‘’função histórica de possuir e colonizar domínios
ultramarinos e de civilizar as populações indígenas que neles se compreendam’’
(Artigo 2.º), ao contrário de todos os textos constitucionais anteriores (desde
a Constituição de 1822), que designavam os territórios sob administração
portuguesa como ‘’Províncias Ultramarinas’’, o Ato Colonial define-os como ‘’colónias’’ componentes do Império
Colonial Português. Os povos da colónia tinham direito a uma designação própria. o Ato Colonial distinguia entre ‘’civilizados‘’ e ‘’indígenas’’ – e
recusava a integração dos últimos no corpo da nação [Catarino 1961: 6].
O documento proíbe o trabalho forçado (com exceções), garante
a liberdade individual e o justo salário. No terreno, porém, o trabalho forçado
era prática corrente nas plantações, no serviço de carregadores – para
transporte de mercadorias – e nas culturas obrigatórias, como a do algodão,
imposta por decreto em 1926 e aplicada em 1930 [Catarino, 1961: 6].
1961
– O Ano do Novo contexto de Angola nas Relações Internacionais
O ano de 1961, foi o ano em que se atingiram o auge dos
ataques contra Portugal, parece não serem lícitas dúvidas hoje [Nogueira 1970: 31]. Em 1961, e perante a agressão efetiva
desencadeada contra o norte de Angola, Portugal resolveu opôr-se pela força,
empregando os meios apropriados, não obstante as resoluções em contrários
votadas na altura pelo Conselho de Segurança. Foram duas decisões fundamentais,
sendo uma de natureza política e de carácter militar a outra, e que não será
exagerado classificar de históricas. Para as executar, e para as defender e
justificar no plano externo, empenhou-se Portugal num debate internacional a
que, pela duração e rudeza, poucos paralelos poderemos talvez encontrar [Nogueira
1970: 17].
Já em Dezembro de 1960, Portugal sofrera a desaprovação, ao
nível internacional, na Assembleia Geral das Nações Unidas, com uma votação
expressiva de perda de um terço de votos, tendo sido aprovadas resoluções que
condenavam, claramente, a política colonial do Governo Português [Savite 2014:
191].
De acordo com Catarino [1961: 4], o Exército português não disparava em operações reais desde o final da
Primeira Guerra Mundial, em 1918. Só voltou a fazer fogo para matar quase 43
anos depois – na Baixa de Cassanje, em Fevereiro de 1961, para reprimir a
revolta dos trabalhadores iniciada a 11 de Janeiro.
Porém, o uso sistemático do trabalho escravo sob novas modalidades
– trabalho forçado, correccional, obrigatório, contratado e o regime de
indigenato – continuou a ser o aspecto mais notório da colonização portuguesa [Guerra
1994: 20]. A revolta começou, em Outubro de 1960, os camponeses recusaram
receber sementes de algodão para semear em Janeiro. Os capatazes da Cotonang
perceberam que estava a começar o movimento grevista.
O movimento rapidamente dá origem a graves tumultos, segundo
as autoridades portuguesas, o que motiva a intervenção do Exército, numa
primeira fase e, posteriormente, da Força Aérea, que seria acusada de utilizar napalm no bombardeamento de aldeias [Marinho
2011: 60-61]. Do ponto de vista da maioria dos colonos, o caso da Baixa de
Cassange pode ter sido uma revolta provocada pelo desespero, os ataques de
Luanda uma reação suicida por parte de algumas centenas de nacionalistas e a
revolta dos bacongo e de alguns quimbundo uma rebelião francamente racial com
correntes subterrâneas nacionalistas [Wheeler & Pélissier 2011: 276].
Os acontecimentos da Baixa de Cassanje procuravam a fuga de
centenas de milhares de angolanos para os países vizinhos e são considerados
por vários historiadores como a primeira revolta contra a presença portuguesa
em Angola, na fase das independências africanas; começava a guerra em Angola,
já não era possível continuar a esconder a realidade. [Marinho 2011: 61].
Em 1961, uma tempestade de indignação internacional abateu-se
sobre Portugal. O governo português recusou ceder perante a condenação quase
generalizada da sua resposta à rebelião [...]; a determinação de Portugal
coincidiu, por razões históricas, económicas e pessoais, com os interesses de
algumas fracções da comunidade de negócios, do exercício, da Igreja e da
política. Assim, o regime foi capaz de impôr a Portugal uma aceitação silenciosa
dos sacrifícios financeiros e humanos que uma guerra tripla e simultânea em
África implicaria. Nenhum país europeu moderno e democrático, por muito rico
que fosse, poderia levar a cabo uma semelhante tarefa durante tanto tempo [Wheeler
& Pélissier 2011: 275]. Em Angola,
o regime promoveu, a partir de 1962, a construção de escolas, sem cuidar no
entanto da adequada formação de professores e privilegiando na natureza do
ensino a língua, a história e a geografia de Portugal, sem qualquer ligação com
a cultura e a personalidade das crianças angolanas. Entre 1967 e 70, apenas
4,4% dos inscritos concluíram a instrução primária. O Correio da UNESCO, na
edição de Novembro de 1973, considerava que os resultados dos programas de
educação e ensino em Angola não abonam em favor do sistema, acrescentando: «a maior parte da população escolar que era
a quase totalidade dos alunos das zonas rurais, não vai além dos dois ou três
primeiros anos da instrução primária». Os ensinamentos aprendidos na escola
são de tal modo rudimentares e superficiais que, ao fim de algum tempo, eles
recaem no analfabetismo [Guerra 1994: 44].
Preâmbulos
para a independência de Angola
Angola era em 1974, o teatro de guerra com a situação militar
notoriamente mais favorável às tropas portuguesas. As Forças Armadas
Portuguesas, tinham aproveitado habilmente as divisões do nacionalismo
angolano, os antagonismos ideológicos e tribais, as ambições pessoais, para
conduzirem a seu favor a situação militar na mais vasta e rica das províncias
ultramarinas portuguesas. Em Abril de 1974, a FNLA no Norte, a FLEC em Cabinda
e a UNITA no Leste serviram de tampão à iniciativa militar do MPLA, o movimento
que mais desequilibrara a situação militar no território (GUERRA, 1994, p. 415).
Em 21 de Outubro de 1974, Agostinho Neto assinou em nome do
MPLA um cessar-fogo com as tropas portuguesas, e, três dias depois, MPLA, FNLA
e UNITA subscreveram uma declaração conjunta afirmando-se dispostos a cooperar
entre si. Mas o xadrez de Angola também se jogava, e muito, fora do tabuleiro [Guerra
1994: 417].
De acordo com João Silva [2013: 389-390], «Nem mais um soldado
para as colónias tem um efeito devastador no espírito dos militantes presentes
em Angola, a somar à desmotivação de quem previa um regresso antecipado a casa,
tendo esta situação constituído um dos mais sérios problemas que o MFA
enfrentou em Angola, porquanto ainda se vivia em situação de combate e não se
podiam encetar conversações que se adivinhavam difíceis sem uma retaguarda
firme e coesa».
Assinados em Outubro os acordos de cessar-fogo com a FNLA e o
MPLA, os dois movimentos juntaram-se à UNITA para uma reunião em Mombaça, de 2
a 5 de Janeiro de 1975, reconhecendo-se então como parceiros com direitos e
responsabilidades iguais e excluindo qualquer outro do processo de negociação
para a independência de Angola. Em 15 de Janeiro, no Alvor, o Estado português
estabeleceu, por acordo com o MPLA, FNLA e UNITA, os termos e o calendário para
o acesso de Angola à independência [Guerra 1994: 418-419].
O
alvorecer da esperada independência de Angola
Quando comparada com outras potências coloniais, Portugal era
relativamente pobre e precisava bastante das suas colónias, Guiné Bissau, Cabo
Verde, Angola e Moçambique. Como tal, a independência era a última coisa que o
governo português estava disposto a tolerar e suprimir de forma implacável os
protestos em cada um dos territórios (KERR, 2013, p.160). Entretanto, em Angola, perante as
atitudes de indefinição da parte portuguesa face à descolonização, os
movimentos intensificaram as acções de luta armada, o que provoca o aumento do
número de baixas de parte a parte, enquanto as forças militares portuguesas
presentes no território desmobilizam psicologicamente, porque não entendem a
razão de continuar a combater e sofrer baixas, quando o objectivo do MFA era o
de obter a cessação das hostilidades, e reivindicam o regresso a Portugal [Silva
2013: 389].
No entanto, não podemos descartar aqui o papel dos movimentos
de libertação que foram de grande valia para o processo que culminou com a
independência em 1975; o Partido da Luta Unida dos Africanos de Angola (PLUAA),
foi fundado em 1953, em Dezembro de 1956, o PLUAA conjuntamente com o Movimento
para a Independência de Angola (MIA), formaram o Movimento de Libertação
Nacional de Angola (MPLA) liderado por Agostinho Neto, em 1954 foi fundada a
União das Populações do Norte de Angola (UPNA), que se transformaria em Frente
Nacional de Libertação de Angola (FNLA) em 1962 sob liderança de Holden Roberto
e em 1966, foi criada a União Nacional para a Independência Total de Angola
(UNITA) por Jonas Savimbi [Silva 2005: 171-172]. A independência de Angola, que
primeiro se declarou dependente da vontade de todas as populações, rapidamente
se tornou uma decisão ditatorial e irreversível do Governo de Lisboa. As
notícias da Metrópole eram tão más que os melhores portugueses do que foi a
maior província de Portugal compreenderam que nada podiam esperar desse lado [Ventura
1975: 10)].
As tropas portuguesas ainda se envolveram em confrontos em Angola.
O derradeiro combate travou-se a 27 de Julho de 1975, quando Forças portuguesas
assaltaram a sede do MPLA na Vila Alice, em Luanda. Mas as guerras coloniais
terminaram, os soldados regressaram a Portugal e as colónias ascenderam à
independência, por processos mais ou menos conturbados. Em Angola a competição
política cedo derivou para o confronto militar e, mesmo antes da proclamação da
independência em 11 de Novembro de 1975, a guerra e a sua internacionalização
eram uma realidade, com a intervenção de conselheiros soviéticos e de tropas
cubanas em apoio ao MPLA, de contingentes zairenses, de mercenários portugueses
e de dólares americanos sustentando a FNLA e de colunas militares
sul-africanas, combatendo em nome da UNITA [Guerra 1994: 419].
Como observou François-Charles Mougel [apud Pacteau 2009: 93],
a independência é apenas uma etapa; se
ela revolve o problema da soberania dos povos que formam os novos Estados, ela
não revolve nem a questão da sua sobrevivência política e económica, nem a do
seu lugar no tabuleiro de xadrez internacional. No fundo não houve mudança no
exercício da jurisprudência; herdou-se o que o colono deixou, a sua
superestrutura jurídica do fascismo, do atraso social’’ [Neto, 2001: 132].
As independências foram proclamadas no quadro das fronteiras
coloniais traçadas pelo Tratado de Berlim de 1885. Eram fronteiras de partilha
para a dominação colonial, e não para a independência, que dividiram etnias,
tribos e famílias e não consagraram, no interior de cada Estado, qualquer
identidade étnica ou nacional [Guerra 1994: 31].
O facto nos ajuda a compreender as tendências e iniciativas
secessionistas que se manifestaram em alguns dos novos países africanos e os
conflitos étnicos que têm persistido no continente. Os colonizadores concederam
a independência às colónias deixando atrás de si, dentro de cada fronteira, uma
herança envenenada por conflitos em desenvolvimento ou latentes entre etnias,
tribos e religiões [Guerra 1994]. Qualquer pessoa que tenha vivido na última
década do século XX terá sentido as profundas mudanças que surgiram no mundo.
Ninguém poderá afirmar que a História já antes as tenha conhecido da mesma
dimensão. As causas destas enormes mudanças são demasiado numerosas [Lenglet
2011: 71].
Conclusão
Depois de uma análise escabrosa, terminamos este ensaio
afirmando que o período de 1961, foi crucial para a história de Angola bem como
de sua afirmação no contexto internacional. Contudo, não podemos fazer o estudo
desse processo até à independência nacional em 1975, como sendo um processo
isolado, ou melhor, não podemos analizá-lo de forma linear descartando outros
elementos.
De acordo com Savite [2014:
293], o processo da luta armada em Angola não pode ser analisado de forma
singular, atendeu-se ao contexto internacional que caracterizou o século XX.
Este tempo ficou marcado pelas guerras mundiais trágicas que abalaram todo o
sistema imperial, porquanto as antigas potências coloniais estavam praticamente
impossibilitadas de manterem as suas colónias, de as impossibilitar à luta pela emancipação contra os
colonialistas europeus; era o dealbar da autodeterminação de todos os povos sob
jugo europeu.
Com o início da luta armada em
1961, começa então a primeira onda que internacionaliza Angola nas relações
internacionais, passa-se a falar muito de Angola e nesse mesmo ano várias
resoluções sobre Angola são apresentadas na ONU com vista a pressionar Portugal
a abandonar a sua política de colonização; isto foi fruto das reivindicações
dos angolanos contra a opressão nos seus próprios territórios.
Este processo de luta, culmina
com a independência nacional proclamada a 11 de Novembro de 1975, ano em que
começa a segunda onda da liberdade de Angola nas relações internacionais que se
consubstancia na construção da afirmação nacional. Não podemos descorar que o
começo do novo processo de construção de Angola, é fruto da luta evidenciada
pelos nossos corajosos combatentes que deram as suas vidas em prol da nossa Mãe
Angola e, é nosso dever fazer referência à figuras de incontornável e
inestimável valia no alicerçar de uma Angola que ainda tem muito por dar em
nossos dias.
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