terça-feira, 20 de dezembro de 2011

RELEVÂNCIA HISTÓRICA DA RELIGIÃO TRADICIONAL AFRICANA

RESUMO
A religião é em todos sentidos, objeto muito relevante par a Nação e é um dos mais importantes assuntos que pode interessar ao governo. Cada uma a seu modo, todas as religiões exaltam a compaixão e a fraternidade universal, a sinceridade e a honestidade, a humildade e a mansidão, valores incontestáveis que ninguém quer ver desaparecer. O universo da religião foi sempre complexo, contraditório e conflitivo. Ao longo de milhares de anos, a Religião tem tido um importante papel na vida dos seres humanos, que de uma forma ou outra, ela existe em todas as sociedades humanas conhecidas. As sociedades mais antigas de que apenas temos conhecimento através dos vestígios arqueológicos, mostram traços claros de símbolos e cerimónias religiosas. Ao longo da história subsequente, a religião continuou a ser um elemento essencial da experiência humana, influenciando o modo como vemos e reagimos ao meio que nos rodeia.

Em nossa opinião, a Religião constitui um dos grandes e inevitável meio de socialização tudo porque ela descarta a possibilidade de exclusão entre as pessoas, baseia-se na igualdade e na fraternidade como actos de indiscutível importância, promove a auto-estima, a solidariedade, a harmonia entre diversificadas pessoas não dependendo das suas origens nem mesmo da sua cor da pele; ela é um verdadeiro fenómeno de sociabilidade e não só.
Ora, o estudo da religião representa um desafio na medida em que coloca fortes exigências à imaginação sociológica, antropológica, histórica e ontológica. Ao analisarmos as práticas religiosas, temos de interpretar crenças e rituais muito diferentes dos que encontramos em várias culturas humanas.
Como afirma Anthony Giddens no seu livro Sociologia:
‘’Temos de reconhecer a diversidade das crenças religiosas e dos modos de conduta, mas devemos igualmente analisar a natureza da religião como fenómeno de carácter geral’’. 
As religiões implicam um conjunto de símbolos que invocam sentimentos de reverência ou temor, ligados a rituais ou cerimónias realizados por uma comunidade de crentes. Em algumas regiões, as pessoas acreditam em deuses personalizados…os rituais associados à religião são muito diversos e os actos rituais podem incluir orações, cânticos, canções, etc. O fenómeno religioso, seja o que for o que se pense das suas origens e do seu conteúdo, é um aspeto importante da vida das sociedades contemporâneas e que contribui para as especificar. A adesão a uma crença religiosa tem naturalmente efeitos sobre o comportamento dos indivíduos em sociedade de modo a modificar a sua atitude, a infletir o seu voto, a influir nas suas opiniões políticas ou sociais. Alem disso,  o fenómeno religioso comporta geralmente uma dimensão social porque é vivido numa comunidade; a fé é ensinada, recebida, vivida numa igreja; a religião suscita assim a existência de comunidades confessionais no interior da sociedade global e esta não pode ignorar o fenómeno religioso e desinteressar-se das presenças das igrejas.
COMO COMEÇARAM AS RELIGIÕES?
Foram registadas várias formas de religião durante toda a história. Já houve muitas tentativas de explicar como surgiram as religiões. Uma das explicações é que o homem logo começou a ver as coisas a seu redor como animadas. Ele acreditava que os animais, as plantas, os rios, as montanhas, o sol, a lua e as estrelas continham espíritos, os quais era fundamental apaziguar. O antropólogo Tylor batizou a essa crença animismo e que, segundo ele, o desenvolvimento religioso caminhou paralelamente ao avanço geral da humanidade, tanto cultural como tecnológica, primeiro em direção ao politeísmo (crença em diversos deuses) e depois ao monoteísmo (crença num só deus). Alguns pesquisadores veem a religião como um produto de fatores sociais e psicológicos.
A ÁFRICA TRADICIONAL
No essencial, a África Tradicional associa-se a uma economia aldeã, considerada como de produção suficiente, ao qual associa um modo de vida rigorosamente comunitário. Mais do que em tribos ou em etnias, a identidade do continente está centrada no núcleo familiar. A família africana é uma categoria muito ampla, incluindo agregados e pessoas consideradas pelo homem ocidental enquanto parentes distantes, daí com razão, ser dominada de família extensa.
Por muitas culturas do mundo tradicional africano, a comunicação dava-se por meio da oralidade, o conhecimento era guardado por profissionais como os griots, homens de cerimónia prodigiosa que armazenavam na sua mente milhares de contos, histórias e provérbios. Deste modo, a sociedade tradicional africana, antes de ‘’não ter evoluído para a escrita’’, simplesmente optou por não utilizá-la.
Recorde-se de que do ponto de vista da africanidade, o conceito de analfabetismo é absolutamente estrangeiro. Outra ponderação importante é que a África também constitui um dos berços da escrita. No continente foram utilizados sistemas de escrita com o núbio antigo, o copta, o tifinagh, o ge’ez e o banum. A análise da sociedade, da cultura e da História da África Tradicional, deve ser feita levando em consideração toda uma série de particularidades. O surgimento dos Estados, por exemplo, ocorreu de forma diferente dos impérios asiáticos ou pré-colombianos. Estes Estados tinham a sua própria organização quer político-administrativa, socioeconómico, mágico-religiosa diferenciadas e nalgumas vezes semelhantes umas das outras.
RELIGIÃO TRADICIONAL AFRICANA
As religiões africanas devem ser analisadas sem preconceito, porque muito longe de formarem um apanhado de superstições, as noções religiosas do continente africano relacionam-se directamente com factos sociais e com a exploração dos recursos naturais, fundamentais para a permanência do mundo tradicional. Por exemplo o solo, para a maioria dos povos africanos, era entendido como um bem colectivo, assim devendo permanecer por constituir herança dos espíritos ancestrais. 
No geral, a aldeia africana mantém uma intensa relação com o meio natural circundante, do qual retira a totalidade dos elementos necessários para a sua vida. A religiosidade encontra expressão em marcas apropriadas directamente da natureza, como é o caso dos baobás, entendidos como morada dos deuses e dos espíritos. Em muitas regiões do continente africano, o baobá é assumido como a árvore da aldeia, sendo honrado pelos rituais sagrados. A Religião Tradicional Africana contém elementos de cada uma das denominações apontadas, mas nenhuma delas esgota nem explica satisfatoriamente o seu conteúdo.
Embora as manifestações desta Religião Tradicional e algumas crenças variem de zona cultural a outra e até de um grupo a outro, pode falar-se com exactidão de «Religião Tradicional Africana». A unidade das crenças, o substrato fundamental, o significado e finalidade dos cultos, ritos e símbolos e a homogeneidade das aspirações mostram-se idênticos em toda a África Negra. Os seus traços essenciais são comuns e os acidentes não rompem a unidade básica. A África Negra conserva uma religião que recebeu dos seus antepassados, como factor decisivo da sua cultura. É um dado original e específico destes povos.
Como afirma Raul Altuna no livro Cultura Tradicional Bantu:
‘’A organização política e social, os sistemas económicos e as influências recebidas do Neolítico Sariano, do Egipto faraónico, do Islão e do Cristianismo diversificaram algumas crenças e sobretudo, manifestações religiosas entre os povos pastores, caçadores ou agricultores, entre os da costa ocidental ou oriental, entre os povos da floresta e da savana ou entre os povos bantos’’.
Todavia, assim como não se pode contestar a unidade cultural básica da África Negra, assim também aparece indubitável uma atitude religiosa básica comum a toda África Negra.
A RELIGIÃO COMO PRODUTO NATURAL
Ao iluminismo coube uma certa apologia de uma “religião natural” (religio naturalis), já que pela razão era possível o conhecimento de Deus e de sua criação, pode-se indagar se no fundo desta assertiva não estaria a ideia de que existiria um sentimento religioso profundamente arraigado na chamada “natureza humana”. Por outro lado, tal perspectiva dirigia a observação para um terreno pouco propício a uma abordagem que levasse em conta a ideia de uma história das religiões e, sobretudo, as diferentes formas de expressão desse “sentimento natural”, há muito registrados por viajantes europeus em lugares habitados por povos considerados primitivos e exóticos.
Estruturando-se como disciplina ainda na primeira metade do século XIX, a etnologia dedicou-se a inventariar costumes e práticas das chamadas “sociedades naturais”, em que, na quase totalidade dos casos, a determinação religiosa parecia oferecer uma chave importante, se não fundamental, para a organização e o funcionamento destes grupos “primitivos”. Desde seu nascimento, portanto, a teoria racionalista do universalismo da natureza humana enfrentou inúmeras dificuldades. Mas o contacto com o “outro”, que há muito inaugurara uma sistemática hierarquização política e cultural, ganhou no século XIX o reforço poderoso do discurso positivista e evolucionista para a análise de sistemas religiosos diferentes e heterodoxos.
Baseado sobretudo na teoria dos três Estados formulada por Augusto Comte (1798-1857) em 1819, este modelo pregava que a humanidade passara por três estados ou atitudes mentais ao tentar conceber a realidade do mundo e da vida:
O TEOLÓGICO - em que predominaram as forças sobrenaturais;
2ºO METAFÍSICO - caracterizado pela crítica vazia e pela desordem, fruto de um liberalismo mal concebido;
3ºO POSITIVO - que superaria as explicações insuficientes do mundo ao substituir as hipóteses religiosas e metafísicas por leis científicas inquestionáveis.
Discípulo de Saint-Simon (1760-1825) ate 1824, Comte produziu a base de sua teoria em meio a um conturbado momento político que, segundo ele, ameaçava levar a Franca a anarquia, e para o qual a solução seria a adopção de um novo sistema orgânico, cientifico, mas curiosamente denominado “Religião da Humanidade”. Proposta messiânica não a toa herdeira da orientação romântica do nobre mestre admirador dos princípios racionalistas de Napoleão.
As influências do positivismo de Comte, aliadas as teses evolucionistas de H. Spencer (1820-1903), marcadas pelo modelo biológico e inspiradas pela teoria de Charles Darwin (1809-1882), certamente estiveram presentes nas conclusões de E.B. Taylor (1832-1917), sobre a cultura e a religiosidade primitivas, contidas no clássico Primitive culture, de 1871. Para Taylor o animismo — tese segundo a qual, para o homem primitivo, tudo e dotado de alma, o que explicaria o culto aos mortos e aos antepassados, além do nascimento dos deuses — era a característica original da criação religiosa, passando do politeísmo ao monoteísmo, ponto máximo de um processo de evolução espiritual. Também para J.G.Frazer (1854-1941) estas seriam as principais etapas do desenvolvimento religioso da humanidade. Estes dois últimos autores, referências fundamentais no processo de elaboração de uma história das religiões, não só procuraram demonstrar e comprovar a validade de suas interpretações eurocêntricas, como encaminharam suas reflexões a partir de uma busca da origem e da evolução da religião, aqui considerada no singular. Apesar das controvérsias com seu discípulo A. Lang (1844-1912) sobre a origem necessariamente animista das religiões primitivas, as teses de Taylor, endossadas por Frazer, tiveram grande peso nas distinções que separavam, na passagem do século XIX para o XX, magia e religião, dando-lhes agora uma conotação científica. Para Frazer, o homem primitivo, vivendo no primeiro tempo de sua história, acreditava que as regras da magia eram idênticas as da natureza, o que o levava a esperar uma resposta adequada e imediata da natureza para a solução de suas dificuldades.
Segundo Jacqueline Hermann:
‘’Conferia-se a religião um sentido pragmático, mas sobretudo social, na medida em que possuía o papel de reestruturar a vida do grupo através de uma reaproximação ritual com o tempo mítico das origens; mas o estudo do papel social das religiões, ou de suas crenças e práticas, beneficiou-se ainda da constituição de um novo campo de conhecimento que se estruturava como disciplina autónoma a partir do final do século XIX: a sociologia’’.
A RELIGIÃO TRADICIONAL COMO AGENTE DE COMUNICAÇÃO
Não existe nenhuma instituição, quer no campo social, seja no político ou ainda no económico, que não assente um conceito religioso. Durante muito tempo, afirmou-se que os povos africanos eram povos sem religião nenhuma, mas estes povos são na realidade dos mais religiosos da Terra. O homem negro-africano é u m crente por vocação. A sua fé penetra a vida e constitui-o religioso, cultural, simbólico, ritualista, celebrante. A Religião Tradicional está enriquecida com as crenças e manifestações necessárias para ser considerada como autêntica religião, noção clara de Deus.
A Religião Tradicional é caracterizada por uma unidade que brota da crença em um só Deus Criador da única vida participada.
Assim sendo, a chave para entender esta Religião Tradicional, não pode ser senão a compreensão da participação, da solidariedade vertical e horizontal, do ensaio de viver em comunhão fortificante com os canais de vida, com os meios vitais existenciais, com a comunidade. Ela procura reconhecê-los, valoriza-los, colocá-los no seu lugar exacto, propicia-los e aplica-los.
A Religião Tradicional concretiza-se quando o indivíduo e a comunidade, comunicam com o mundo invisível e com o visível através dos ritos, orações, sacrifícios, festas, ritos de iniciação, etc.
A Religião Tradicional preocupa-se com o homem na sua totalidade; isto é, é uma religião antropocêntrica, que deve activar-se em favor do homem...ela dá forma, condiciona e vivifica as instituições e manifestações familiares, sociais e políticas, a sua essência consiste na prática e não na explicação teológica…a religião não é motivo de êxtase nem de conflitos internos…o negro é tão profundamente crente como tolerante. A religião em África não se baseia só no respeito a dogmas fixos que impõem render homenagem a Deus…a religião em África é a armadura da vida…informa todas as acções públicas e privadas do homem negro…tentar compreender a África, sem a contribuição das religiões tradicionais, seria como abrir um gigantesco armário esvaziado do seu conteúdo mais precioso.
A religião na África foi e deve continuar a ser um factor dinâmico de civilização. Ele permitiu aos povos africanos superar através da sua larga história, as piores provas e deve servir-lhes de meio essencial para edificar o seu futuro e contributo para o enriquecimento espiritual da humanidade. O homem do diálogo não deve subestimar a actual influência das religiões tradicionais que moldaram o homem africano. A religião formou um ambiente de crescimento e desenvolvimento das civilizações africanas que, ainda hoje, não podemos compreender…
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
§  GAARDER, Jostein, et all (2001) ''O Livro das Religiões'', Companhias das Letras, São Paulo.
§  GIDDENS, Anthony (2010) ''Sociologia'', Fundação Calouste Gulbenkian, 4ªEdição, Lisboa.
§  PE.ALTUNA, Raul Ruiz de Asúa (2006) ''Cultura Tradicional Bantu'', Editora Paulinas, Luanda.
§  RÉMOND, Réne (2009) ''Introdução à História do Nosso Tempodo Antigo Regime aos Nossos Dias'', Gravida, Lisboa.

§  VATTEL, Emer de (2004) ‘’Direito das Gentes’’, Editora Universidade de Brasília, Brasília.
Leia também:
A África Tradicional – Maurício Waldman
História das Religiões e Religiosidades - Jacqueline Hermann



domingo, 27 de novembro de 2011

CARACTERÍSTICAS ESSENCIAIS DOS GRUPOS ETNOLINGUÍSTICOS DE ANGOLA

INTRODUÇÃO
Angola como sabemos, é um país africano imenso, que tem a extensão territorial de 1.246.700 Km2, rodeado pela República Democrática do Congo, pela Zâmbia a leste e pela Namíbia a sul, ocupada por cerca de uma centena de etnias e subetnias, de origem Bantu.
Segundo Herlânder Felizardo, por seu turno, tenta fazer uma abordagem sobre os Bantu. Para ele,
’o termo Bantu foi proposto na África do Sul, em 1856, pelo alemão Wilhehm Bleek, para se referir a uma ‘’família’’ de línguas que usavam uma raiz ntu para ‘’pessoa’’; muntu, singular, e bantu, plural na grande maioria’’.
A sociedade angolana é plural, composta por vários grupos culturais. A maior parte dos povos de Angola são falantes de língua Bantu, integrando um grupo que ocupa um terço do continente africano.
Os principais grupos etnolinguísticos entre os povos angolanos são os seguintes: 
1º OS OVIMBUNDUgrupo etnolinguístico Umbundu
Com mais de um terço da população (33%), sendo o maior de todos e o mais homogéneo de Angola, incluía as províncias de: Benguela, Huambo e Bié. Em finais do século XIX estavam organizados politicamente em 12 reinos, dos quais o do Bailundo, Bié, Chyaka, Galangue e Andulo eram os mais poderosos. O seu idioma é o Umbundu. As três funções mais importantes desempenhadas pelos reis consistiam em comunicar com o mundo espiritual, relacionar-se com os outros povos e administrar a justiça.
O rei era o sacerdote supremo do seu povo, uma vez que os seus antepassados eram as principais divindades comunais. Ele e os seus curandeiros ofereciam sacrifícios no altar régio com o objectivo de controlar os elementos e assegurar a fertilidade e o sucesso nas caçadas. Cada rei umbundu exercia a sua autoridade sobre uma série de sub-reinos, ou atumbu. O reino maior de todos, o Bailundo, era composto por cerca de 200 atumbu, governado cada atumbu, entre três a trezentas aldeias.
Os Ovimbundu eram temidos durante muito tempo pelos seus vizinhos por causa das suas incursões de intuitos escravocratas. Estes agricultores que por algum tempo se transformaram em caravaneiros de longo curso, raramente se sentiam tentados a rejeitar os moldes europeus e, por esse facto, foram frequentemente usados para colaborar com os portugueses.
2º OS KIMBUNDO 
Os M’bundu (Kimbundu), situados entre os rios Cuanza e Dande, com cerca de 26% da população, abrangendo Luanda, na costa, até à bacia do Cassange, na parte oriental do distrito de Malange. Faziam parte deste grupo Kimbundu vinte povos: Ambundu, Luanda, Luango, Ntemo, Puna, Dembo, Bangala, Holo, Cari, Chinje, Minungo, Bambeiro, Quibala, Haco, Sende, Ngola ou Jinga, Bondo, Songo, Quissama e Libolo. Exprimem-se em Kimbundu.
Como afirma Segundo Teresa Neto:
 ‘’ grupo Kimbundu constitui o grupo étnico, no centro do país, que mais assimilou os costumes coloniais portugueses’’; e, Lawrence W.Henderson corrobora afirmando também que ali foi o centro da assimilação porque na abordagem dele: ‘’os Kimbundu aprenderam o português ao serem assimilados, como foram eles quem produziu as primeiras obras das literaturas escritas angolana’’.
3º OS BACONGO
Com cerca de 13% da população, era o terceiro maior reino de Angola. Era composto por oito povos, relacionados entre sí, os quais ocupavam Cabinda e distrito do Zaire e Uíge.
Aquando à chegada dos portugueses em Abril de 1482, era o mais forte e estruturado nessa região da África Central. Mas ao fim de dois séculos de colaboração intensa com os portugueses, no comércio de escravos, o que de início constituiu um factor de enriquecimento das linhagens aristocráticas, teve gradualmente como consequência o enfraquecimento das estruturas sociopolíticas.
4º OS OVAMBUS – grupo etnolinguístico Ambo Criadores de gado e lavradores
Este grupo representava menos de 3% da população, possuíam a maioria do gado em Angola, sendo os principais fornecedores do planalto central. A sua economia devia classificar-se como agro-pastoril, uma vez que dependiam tanto da agricultura como da criação de gado, dando preferência em possuir uma grande manada, e que para eles o gado constituía uma parte importante da vida, embora envolvam mais na agricultura do que os seus vizinhos Herero.
Os Ambo ocupavam a fronteira entre Angola e a Namíbia. Em Angola aquela dominação aplicava-se ao grupo etnolinguístico que incluía os Cuanhama, Cuamata, Dombandola, Evale e Cafima.
Os Ambo não viviam em aldeias como os Umbundu. A população rural dividia-se em comunidades ou distritos, tendo cada comunidade um numero que oscilava entre as cem e as trezentas famílias, que ocupavam uma área de limites mal definidas, chamadas chilongo. Os Ambo não tinham um tipo centralizado de monarquia, mas todos os povos tinham o seu rei. Entre os Ambo de Angola, os reis dos Cuanhama desempenharam um papel preponderante.
5º OS NHYANECAS-HUMBI – grupo etnolinguístico Lunhaneca – Conservadores
Os Nhanekas-Humbe, situando-se geográfica e culturalmente entre os Umbundu e os Ambo, representavam cerca de 5% da população angolana. Dispersaram-se pelos distritos de Huíla e Cunene, desde as vilas de Chongoroi e Quilengues, a norte, até à fronteira da Namíbia, a sul. Este grupo é composto por dez povos. Os Muílas, os Gambos, os Humbes, os Donguenas, os Hingas, Cuancuas, Handa de Quipungos, Quilengues-Humbes e Quilengues-Musos.
O grupo Nhaneka-Humbe era o mais conservador de todos os povos de Angola, são acima de tudo pastores, deixando para as mulheres todas as atividades agrícolas que praticam. Eles tinham sido menos influenciados do que os outros pela cultura europeia, apesar de um número relativamente grande de colonos portugueses ter invadido o seu território em meados do século XIX. Este conservadorismo que resistiu à urbanização fez com que Sá da Bandeira/Lubango, situado em pleno território Nhaneka-Humbe, fosse a única cidade em Angola a ter uma maioria branca.
6º OS HEREROS grupo etnolinguístico Tcherero - Verdadeiros pastores
Os Hereros podia disputar com os Nhaneka-Humbe a classificação de «o mais conservador», mas como os povos Herero eram pouco numerosos, o seu lugar na cena angolana revestia-se de menor importância.  Os poucos milhares de Dimbas, Chimbas, Chavicuas, Hacavonas, Cuvales, Dombes, Cuanhocas e Guendelengos ocupavam o território situado nos distritos de Benguela, Moçamedes e Huíla, chegando ao interior a partir do deserto de Namibe.
Do ponto de vista económico, os Herero eram, entre todos os angolanos, os que mais se dedicavam à criação de gado. Os grupos vizinhos, os Ambo e os Nhaneka-Humbe, davam mais importância à sua riqueza pastoril do que à agrícola, tudo porque o grande valor que davam ao gado não era apenas fundamental para a economia mas também para o seu sistema cultutal de valores, pois repudiam quaisquer atividades sedentárias, não descartando a sua longa tradição agrícola. Em 1958, o membro mais velho Herero lembrava-se ainda do tempo antes da agricultura ter entrado na economia do seu povo.
7º OS LUNDA-TCHOKWE grupo etnolinguístico Tutchokwe -Caçadores por excelência
Conhecidos pelo seu talento artístico, estes povos têm-se deslocado para Angola a partir da região do Congo-Catanga ao longo dos últimos 150 anos, sobretudo como caçadores e comerciantes. Os povos do grupo Lunda-Chokwe incluíam os Lunda, Lunda-lua-Chindes, Lunda-Ndembo, Mataba, Cacongo, Mai, e Chokwe. Na denominação composta deste grupo, «lunda» refere-se ao grande império da África Central, que no século XVIII enviou chefes políticos de Katanga/Shaba, no Zaire, para as zonas mais populosas do Leste de Angola. Entre os povos que os chefes lunda foram encontrar, estavam os Chokwe, que viviam para lá da religião banhada pelos rios Kasai, Cuango, Zambeze e Cuanza, no Centro-Leste de Angola.
A organização sociopolítica dos Chokwe assentava em doze clãs matrilineares, governados por chefes de linhagens menores. Os Lundas impuseram-se como dirigentes políticos aos governantes locais e fundaram reinos, segundo o modelo que vigorava no império lunda.
Em finais do século XIX, os Chokwe eram o povo mais agressivo e mais independente em toda a Angola, mostrando sê-lo ao século passado, no terem começado a expandir-se em direcção ao Centro de Angola. O poder económico reforçava ainda mais a sua não dependência, visto que o marfim, a cera e a borracha, que constituíam os produtos principais das trocas comerciais em finais do século XIX, se encontravam essencialmente na parte leste de Angola em áreas controladas pelos Chokwe.
Eram também bons caçadores, tendo acumulado armas de fogo. Por trocas que efectuavam ou por ataques que perpetravam, adquiriam muitas mulheres e escravas, que iam aumentar em grande número a população Chokwe, não só pelo facto de serem muitos, mas por estarem em idade de conceber.
Os Chokwe, para além de serem conhecidos como caçadores-guerreiros orgulhosos e independentes, eram ainda famosos como artistas. Os seus escultores executavam em madeira elegantes figuras humanas e máscaras para os rituais. Uma outra parte em que os Chokwe foram verdadeiros mestres era a pintura mural.
8º OS GANGUELAS grupo etnolinguístico Tchinganguela Pescadores
Os Ganguelas representavam cerca de 7% dos angolanos: os Luimbe, Luena, Lovale, Lutchazi, Bunda, Ganguela, Ambuela, Ambuila-Mambumba, Econjeiro, Ngonielo, Nhemba e Avico. O antropólogo americamo, George Murdock, inclui a maioria destes povos num agrupamento Lunda, juntamente com os Chokwe.
O grupo Ganguela era o mais heterogéneo de Angola. Os anteriores grupos etnolinguísticos descritos, que representavam mais de 95% da população em finais do século XIX, eram todos bantos. Os restantes grupos eram os Khoisans, que eram representantes dos povos que viviam em Angola antes da invasão dos Bantos, depois os portugueses e os mestiços.
9º O GRUPO KHOISAN – Os nativos de Angola
Os Bosquímanos Kung, a sul de Angola, chamavam-se a sí próprios o «povo inofensivo», ou seja, zhu twa si. Aos não bosquímanes, eles chamavam zosi, o que quer dizer «animais sem casco». Segundo eles, os não bosquímanos eram maus e perigosos como as hienas e os leões. Quando os Bantos, ou os «animais sem casco», entraram em Angola, quatro a dez séculos atrás, foram encontrar populações que se dedicavam à caça e que eram de tal modo inofensivas que depressa se deixaram dominar.
Khoisan é uma palavra composta a partir de khoikhoi, que era o nome hotentote que eles se davam a sí próprios, e san, que era o nome que atribuíam aos Bosquímanos.
Em finais do século XIX, alguns milhares de bosquímanos dispersaram-se pela parte sul de Angola e pelo deserto da Calaári, em bandos constituídos por famílias pouco numerosas. Os Bosquímanos, de constituição frágil e de pele amarelada, viviam uma vida nómada sem se fixarem permanentemente.
Por sua vez, Boubacar N. Keita, aborda que:
‘’os Khoisans, pequenos pela estatura – 155 centímetros para os homens e 145 para as mulheres, ter-se-iam formado como entidade particular durante o Paleolítico Superior…as suas características antropológicas, têm suscitado o mais vivo interesse e provocado apaixonante debates entre vários especialistas ’’.
A organização social dos Bosquímanos, assentava simplesmente na família nuclear, a qual, muito raramente, ia para além das vinte pessoas, podendo ser composta por um homem já velho, pela mulher, as suas filhas, genros e netos e talvez ainda por um ou dois filhos solteiros.
OS TRÊS PRINCIPAS GRUPOS ETNOLINGUÍSTICOS DE ANGOLA E SUAS RESISTÊNCIAS CONTRA O MOVIMENTO COLONIAL PORTUGUÊS
Dentre estes grupos citados acima, adianta-nos caracterizar neste artigo, os três principais grupos etnolinguísticos de Angola, que segundo Edmundo Rocha, a sua população era, em 1960, a seguinte:
§  Ovimbundu (Umbundu) .........................     1 750 000
§  M’Bundu (Kimbundu) …………………..      1 050 000
§  Bakongo (Kikongo) ……………………..         620 000
Os três grandes grupos étnicos são por ordem decrescente da população são os Ovimbundu, os M’Bundu e os Bakongo, que representam cerca de 75% da população e ocupam as regiões economicamente mais importantes, o litoral, o litoral norte e centro e o planalto central. Os dois primeiros grupos étnicos, são essencialmente angolanos, ao passo que os Bakongo faziam parte do grande reino do Congo, radicado historicamente numa área que abrange o ex-Congo Francês, o ex-Congo Belga e o norte de Angola. Entre os três grandes grupos étnicos angolanos, foram os M´bundu/Kimbundu que tiveram os contactos mais prolongados, contínuos e profundos com os portugueses. Com efeito, após a fundação de S.Paulo de Luanda, no dia 25 de Janeiro de 1575, os portugueses progrediram para o interior, encontrando uma grande resistência por parte do povo M’bundu.
Só um século depois, em 1671, conseguiram estabelecer-se em Pungo Andongo, e séculos depois (1870), em Cassange. Entretanto, empurrados para o interior, os M’bundu criam os reinos de Matamba e Cassange. É no decurso desta progressão que aparece a figura mítica da rainha N’zinga M’Bandi Ya-Ngola Kia Samba (1584-1663).
A estrutura politica e social dos grandes reinos M’bundu do interior, manter-se-à homogénea até ao século XX, sendo pouco «aportuguesados», referindo-se principalmente aos reinos da Matamba e de Kassanji; ao passo que as populações M’bundu do litoral, submetidas desde cedo ao domínio colonial, são profundamente dispersas, desestruturadas, cristianizadas e «portuguesadas».
Os Ovimbundu ou Umbundu (Galengue, Huambo, Bailundo, Bié), povos numerosos e empreendedores, estabelecem a ligação entre o litoral e os povos longínquos, Lunda – Quiocos e Ganguelas, com quem comerciam e onde se vão aprovisionar de escravos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
§  FELIZARDO, Herlânder (2005) ''ANGOLA: Campo de Missões Cristãs''.
§   HENDERSON, Lawrence W. (1990) ''A Igreja em Angola'', Editorial Além-Mar, Lisboa.
§  ROCHA, Edmundo (2009) ''ANGOLA – Contribuição ao Estudo da Génese do Nacionalismo Moderno Angolano, (período de 1950-1964)'', Editora DINALIVRO, Lisboa.
§  MEDINA, Maria do Carmo (2005) ''ANGOLA – Processos Políticos da Luta pela Independência'', Edições Almeida, Coimbra.
§  NETO, Teresa da Silva (2010) ''História da Educação e Cultura de ANGOLA: Grupos Nativos, Colonização e Independência'', Garrido Artes Gráficas – ALPIARÇA.
§  KEITA, Boubakar N. (2009) ''História da África Negra'', Textos Editores, Luanda.
§  WHEELER, Douglas; PÉLISSIER, René (2011) ‘’História de Angola’’, 1ªEdição, Tinta de China Edições, Lisboa.
Leia também:
§  ANGOLA: Trilhos para o Desenvolvimento – F.Zau

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

CONSEQUÊNCIAS DO ASSIMILACIONISMO PORTUGUÊS EM ANGOLA

Resumo
Várias vezes tenho pensado sobre quando se fala da colonização portuguesa em Angola, senão mesmo do processo de assimilação evidenciada por Portugal, e sobre isto reflicto o seguinte:
Os portugueses concebiam o processo de assimilação como ocorrendo em três fases:
1ª Fase: A destruição das sociedades tradicionais;
2ª Fase: A inculcação da cultura portuguesa;
3ªFase: A integração dos africanos «destribalizados» e «luzitanizados» na sociedade portuguesa.
§  Estes era precisamente o caminho seguido no Brasil e toda a gente sabia como os portugueses tinham assimilado com êxito os negros do Brasil. No entanto, a economia, a ecologia, a demografia racial e a longa história da escravatura do Brasil, estavam longe das realidades angolanas. Os africanos desenraizados trazidos para o Brasil, ficaram impossibilitados de se valer das suas instituições, padrões sociais ou valores tradicionais para suster as suas identidades culturais perante as exigências de adoptar a linguagem, a cosmologia, o vestuário, a alimentação e os deuses da classe dominante.
§  Embora os negros se não encontrassem incorporados em todos os níveis da sociedade brasileira, estavam quase totalmente assimilados e, por conseguinte, eram culturalmente mais brasileiros do que kimbundu, kikongo ou yoruba.
§  Em Angola, os portugueses não conseguiram sequer concretizar a primeira fase do processo de assimilação.
Na República de Angola coexistem e interagem vários grupos etnolinguísticos com diferentes línguas maternas africanas, para além do Português que é, simultaneamente e por razões de Estado, a língua oficial. As referidas línguas maternas africanas servem de pólo aglutinador e dinamizador de cada uma das culturas específicas a que servem de suporte e não podem, nem devem continuar a ser excluídas, de entre os pré-requisitos indispensáveis ao desenvolvimento do País. Com efeito, pese embora a acção de sentido contrário e altamente meritória conduzida pelas diferentes confissões religiosas que operam em Angola, a política assimilacionista perpetrada pelo colonialismo português, ignorou os saberes dos povos de Angola e inviabilizou ou, pelo menos, dificultou a integração de novos saberes e a sua repercussão no desenvolvimento do País.

A partilha de África, de acordo com os interesses dos diferentes colonizadores e a consequente artificialidade das fronteiras entre Estados, vieram dificultar e retardar ainda mais a acção do poder instituído, até porque este, legitimamente empenhado em oferecer igualdade de oportunidades aos cidadãos, caiu na tentação de considerar que todos os angolanos têm à partida os mesmos conhecimentos, quer no plano qualitativo, quer no quantitativo, no que se refere ao domínio da única língua de escolaridade – o Português.
Dentre os vários grupos etnolinguísticos que compõe o mosaico cultural de Angola, os que mais assimilaram a cultura europeia eram os Kimbundu que segundo, Lawrence W. Henderson:
‘’Os Kimbundu aprenderam não só o português ao serem assimilados, como foram eles quem produziu as primeiras obras da literatura escrita angolana.‘

Todos os povos de Angola possuíam uma riquíssima literatura de transmissão oral – contos populares, provérbios, poesias e canções – mas foi entre os africanos fixados, principalmente em Luanda, nos finais do século XIX, que surgiu a literatura escrita.

ESSÊNCIA DO ASSIMILASSIONISMO DESTINADO PARA OS ‘’INDÍGENAS’’ DE ANGOLA
É relevante em primeiro lugar compreender o termo ‘’indígena’’ que provém do latim, que significa «o que é natural do lugar ou país que habita; aborígene; autóctone (seja homem animal ou planta).
Este termo no contexto do colonialismo, esteve também relacionado com as expressões «clero indígena», «clero nativo» ou ainda «clero autóctone». Por sua vez, estes termos aplicados no domínio da teologia, significam «a necessidade interna de radicar, em todos os espaços sócio-culturais, a estrutura hierárquica da igreja, ou seja, a necessidade de recrutar geralmente no próprio meio, os quadros que presidem às comunidades locais e de fazê-los entrar ao nível superior na intercomunicação dos quadros estruturais da Igreja universal».
Porém tais expressões, e consequentemente o termo indígena, na perspectiva histórica, vieram «a constituir problemas após os contactos de culturas encetados na época dos descobrimentos», isto, porque a tarefa de recrutar indígenas consubstanciou-se em atitudes que, por vezes, chocaram com a cultura tradicional; daí, a multiplicidade e a complexidade de factores de recrutamento e preparação de quadros ‘’indígenas’’.
Para os ideólogos do sistema colonialista e seus apoiantes, o entendimento de indígena desprovido de preconceitos rácicos e etnocentristas é de pôr de parte. Para os colonialistas portugueses da época, como Serra Frazão, o termo serve para designar, «o preto boçal», atribuindo a ele categorias de ‘’inferior’’ ‘’atrasado’’ ou ‘’primitivo’’, são o exemplo da forma como era caracterizado o nativo indígena africano de Angola, Guiné e Moçambique.
No meio colonial, era reconhecido que a instrução poderia constituir uma arma ofensiva e defensiva, consoante o sentido e a direcção que se lhe desse. As preocupações coloniais com a forma como a escola devia contribuir para a exploração das riquezas das colónias, visando a obtenção de lucros imediatos, por um lado, a moralização da opinião pública (nacional e internacional), para garantir a continuação sem sobressaltos da ‘’grande missão’’ de evangelização dos ‘’indígenas’’ (em nome de Deus), da nacionalização e ocupação efectiva das colónias (em nome da Pátria), e de assimilação das suas gentes (em nome da Civilização), por um lado, constituíram as bases orientadoras das ideólogos e políticos portugueses pró-colonais.

Deste modo, toda a política colonial de ensino destinada aos nativos indígenas em Angola, desde cedo, procurou subalternizá-los por intermédio da inculcação de temas afectos à trilogia Deus-Pátria-Civilização.
Esta politica de ensino para ‘’indígenas’’, executada predominantemente por missionários, só seria garantida com o alcance daqueles três elementos da trilogia ultramarina de ensino, tacitamente presentes nas determinações oficiais, tais como aconteceu a trilogia metropolitana, Deus-Pátria-Família. A satisfação das preocupações de ordem religiosa, por meio da expansão da fé (simbolizando Deus), a satisfação das preocupações inerentes à política da nacionalização dos ‘’indígenas’’, assente na exaltação e inculcação de valores e costumes portugueses, permitindo assim a expansão e controlo do império (simbolizando a grandiosa Pátria), e, por último, a sua assimilação pelo trabalho (simbolizando o conceito português de Civilização nas áreas sob regime de indigenato). 
Em nossa opinião, o processo de assimilação com todos os requisitos pela metrópole preconizada, não conseguiu almejar os seus objectivos últimos porque para além da resistência, os africanos em geral e em particular os angolanos, estavam fortemente enraizados nos seus hábitos, nos costumes, no seu modus vivendi, enfim, na sua cultura de modo que Portugal, não se viu satisfeita na sua plenitude pelo facto de que o assimilicionismo acarretaria elevados dispêndios por parte da metrópole.
Como diz Edmundo Rocha:
’Apesar de uma presença de cinco séculos, o colonialismo português não conseguiu desestruturar e «portugalizar» as diversas etnias angolanas. No confronto, durante séculos, entre duas civilizações com comportamentos e filosofias diametralmente opostas, vastos sectores da sociedade angolana conseguiram furtar-se, durante centenas de anos, ao processo de assimilação cultural e social.’’

A tomada de consciência das diferentes etnias africanas face ao ocupante português, foi variável nas formas e nas atitudes. A grande maioria, sobretudo os que viviam nos reinos e chefaturas do interior de Angola, opôs-se violentamente à ocupação, durante séculos. Outros povos angolanos procuravam na emigração nos países vizinhos as vias promocionais para as melhores condições de vida. A maioria foi obrigada a submeter-se e a adaptar-se a viver diariamente com o regime colonial.

Mas foi, contudo, esta minoria «assimilada» que primeiro tomou consciência da sua condição de «submetida» de uma potência colonial sem capacidade financeira, sem meios materiais e demográficos e sem desígnios morais para «civilizar» e poder elevar o nível cultural e económico dos milhões de angolanos.
É preciso lembrar que, a partir da década de 1940, Portugal acelerou sua política de colonização na África, estimulando a ida de portugueses para lá fixarem residência e trabalharem. Segundo algumas fontes, cerca de 300.000 portugueses estariam vivendo em Angola em 1970, e em torno de 150.000 em Moçambique.
Ainda na década de 1960, perante uma nova conjuntura externa marcada pelas independências políticas das antigas colónias inglesas e francesas na Ásia e na África e pelas crescentes pressões das Nações Unidas contra a permanência de regimes coloniais, e também diante das atribulações políticas causadas pelas primeiras sublevações armadas em Angola, a coesão interna do regime salazarista começa a se desfazer em razão do crescente descontentamento, mesmo no interior do governo, relativo tanto à delicada questão do assimilacionismo nas colónias como ao intransigente centralismo até então vigente.

O QUE MUDOU DEPOIS DE 1960?
No inicio dos anos 60, período em que estavam em processo de esfacelamento os decadentes impérios coloniais britânico e francês, é também lembrado como o marco inicial das primeiras revoltas de grupos armados, em cenário africano, contra o colonialismo português.
A África foi, então, palco de uma série de independências políticas que havia sido desencadeada desde a emancipação de Gana, em Março 1957, e da Guiné-Conacry, em Setembro do ano seguinte. Mas foi somente em meados da década de 70 que as então denominadas ‘’províncias ultramarinas’’ portuguesas romperam com a metrópole e com um diferencial em relação a outros países do continente: sem se acomodarem em soluções neocoloniais.

No caso de Angola, arrastaram-se quatorze anos de luta armada, desde o início de 1961 até meados de 1975, período de sua independência e da quase completa derrocada do Império Colonial Português.
Nos anos 60, os nacionalistas angolanos, com a intensificação de sua militância, que já vinha se formalizando desde a década anterior, não tiveram dificuldades em obter o apoio explícito de governos africanos recém-constituídos. Assim, o primeiro dos movimentos de libertação nacional formado naquela colónia, a União dos Povos Angolanos (UPA), pôde contar, em nome da causa pan-africanista e por razões geo-estratégicas, com o financiamento económico e o auxílio militar-logístico de países como o Zaire, Gana, Guiné-Conacry e Egipto e, fora do continente, dos Estados Unidos cuja política externa havia sido atraída pela retórica anticomunista de Holden Roberto, um dos fundadores e o principal líder da UPA e depois da Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA).
Outro importante movimento nacionalista, rival da UPA, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), de orientação ideológica marxista, teria também seus aliados externos, entre eles o Congo-Brazzaville, Zâmbia, a União Soviética e, em especial, Cuba. Internamente, sobretudo em Luanda e no meio rural das províncias ao norte, surgiam os primeiros grupos de guerrilheiros que iriam entrar em confronto com os oficiais em quarentena nos postos administrativos, nos estabelecimentos militares e nas prisões sob os quais flamulava a bandeira portuguesa.
Esse é o início das chamadas Guerras de Libertação/Guerras de Independência/Guerras Coloniais, primeiramente em Angola, e depois alastradas para outras colónias.

RELEVÂNCIA DAS REVOLTAS ANTI-COLONIALISTA
Entrementes, em Angola a repressão policial e militar a alguma revolta civil passaria então a ser executada com desproporcional violência, como é o exemplo dos plantadores de algodão na Baixa do Cassanje (Malanje), quando a retaliação das forças armadas portuguesas, usando napalm, matou cerca de sete mil camponeses que se manifestavam pacificamente contra suas condições de trabalho. Em Luanda, em 4 de Fevereiro de 1961, a acção armada de nacionalistas angolanos foi respondida com uma brutal repressão nas periferias os musseques da cidade, o que provocou centenas de mortos.

Só nesses primeiros meses de guerra, teriam morrido, segundo fontes nacionalistas, 70.000 africanos do Norte de Angola, e cerca de dois mil portugueses. Já o número de refugiados para o Congo, ao Norte, chegou a ser contabilizado em 150.000. A própria competição entre comités de solidariedade dos movimentos nacionalistas, formalmente criados alguns anos antes, para a captação desses refugiados na fronteira engendrou conflitos entre militares da União das Populações de Angola (UPA), formado naquela mesma região, e do Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA), formado por luandenses e presente nas regiões do Norte e no Congo desde fins de 1961.
Foi, todavia, a UPA, o primeiro movimento a levantar em armas contra o colonialismo português, quando, em meados de Março de 1961, na cidade congolesa de Ndjiji, são recrutados os primeiros combatentes para acções de guerrilha na fronteira. O MPLA passará para a luta armada pouco mais tarde, em Novembro do mesmo ano, quando sua primeira operação militar, chefiada pelo Comandante Tomás Ferreira, é aniquilada pelas forças da UPA. Com ideologias e propostas nacionalistas bastante diversas, as duas frentes de libertação iriam se chocar ao longo dos anos, passando o MPLA somente a ter preponderância como alternativa programática de combate ao colonialismo e como proposta de formação de um novo país, apenas após 1965.

Referências Bibliográficas
§  BENDER, Gerald J. (2004) ''Angola sob Domínio Português - Mito e Realidade'', Edições Nzila, Luanda.
§  CORREIA, Pezarat (1991) ''Descolonização de Angola: a Jóia do Império Português'',Luanda: Editorial Inquérito, Ler e Escrever.
§  ROCHA, Edmundo (2009) ''ANGOLA – Contribuição ao Estudo da Génese do Nacionalismo Moderno Angolano - Período de 1950 a 1964'', Colecção Olhar a História, Lisboa.
§  HENDERSON, Lawrence W. (1990) ''A Igreja em Angola'', Editorial Além-Mar, Lisboa.
§  ZAU, Filipe (2002) ''Angola: Trilhos para o Desenvolvimento'', Lisboa, Universidade Aberta.
Leia também:
§  O ‘’indígena’’ africano e o colono ‘’europeu’’: a construção da diferença por Processos legais - Maria Paula G. Meneses.
§  O Ensino Colonial Destinado aos ‘’Indígenas’’ de Angola. Antecedentes do Ensino Rudimentar Instituído pelo Estado Novo – Alfredo Noré e Áurea Adão.
§  Os Colonos da África portuguesa sob o regime colonial e seu deslocamento para o Brasil na pós-independência - Zeila de Brito Fabri Demartini e Daniel de Oliveira Cunha.
§  Voz de Angola em Tempo de Ultimato - Aida Freudenthal.