terça-feira, 20 de dezembro de 2011

RELEVÂNCIA HISTÓRICA DA RELIGIÃO TRADICIONAL AFRICANA

RESUMO
A religião é em todos sentidos, objeto muito relevante par a Nação e é um dos mais importantes assuntos que pode interessar ao governo. Cada uma a seu modo, todas as religiões exaltam a compaixão e a fraternidade universal, a sinceridade e a honestidade, a humildade e a mansidão, valores incontestáveis que ninguém quer ver desaparecer. O universo da religião foi sempre complexo, contraditório e conflitivo. Ao longo de milhares de anos, a Religião tem tido um importante papel na vida dos seres humanos, que de uma forma ou outra, ela existe em todas as sociedades humanas conhecidas. As sociedades mais antigas de que apenas temos conhecimento através dos vestígios arqueológicos, mostram traços claros de símbolos e cerimónias religiosas. Ao longo da história subsequente, a religião continuou a ser um elemento essencial da experiência humana, influenciando o modo como vemos e reagimos ao meio que nos rodeia.

Em nossa opinião, a Religião constitui um dos grandes e inevitável meio de socialização tudo porque ela descarta a possibilidade de exclusão entre as pessoas, baseia-se na igualdade e na fraternidade como actos de indiscutível importância, promove a auto-estima, a solidariedade, a harmonia entre diversificadas pessoas não dependendo das suas origens nem mesmo da sua cor da pele; ela é um verdadeiro fenómeno de sociabilidade e não só.
Ora, o estudo da religião representa um desafio na medida em que coloca fortes exigências à imaginação sociológica, antropológica, histórica e ontológica. Ao analisarmos as práticas religiosas, temos de interpretar crenças e rituais muito diferentes dos que encontramos em várias culturas humanas.
Como afirma Anthony Giddens no seu livro Sociologia:
‘’Temos de reconhecer a diversidade das crenças religiosas e dos modos de conduta, mas devemos igualmente analisar a natureza da religião como fenómeno de carácter geral’’. 
As religiões implicam um conjunto de símbolos que invocam sentimentos de reverência ou temor, ligados a rituais ou cerimónias realizados por uma comunidade de crentes. Em algumas regiões, as pessoas acreditam em deuses personalizados…os rituais associados à religião são muito diversos e os actos rituais podem incluir orações, cânticos, canções, etc. O fenómeno religioso, seja o que for o que se pense das suas origens e do seu conteúdo, é um aspeto importante da vida das sociedades contemporâneas e que contribui para as especificar. A adesão a uma crença religiosa tem naturalmente efeitos sobre o comportamento dos indivíduos em sociedade de modo a modificar a sua atitude, a infletir o seu voto, a influir nas suas opiniões políticas ou sociais. Alem disso,  o fenómeno religioso comporta geralmente uma dimensão social porque é vivido numa comunidade; a fé é ensinada, recebida, vivida numa igreja; a religião suscita assim a existência de comunidades confessionais no interior da sociedade global e esta não pode ignorar o fenómeno religioso e desinteressar-se das presenças das igrejas.
COMO COMEÇARAM AS RELIGIÕES?
Foram registadas várias formas de religião durante toda a história. Já houve muitas tentativas de explicar como surgiram as religiões. Uma das explicações é que o homem logo começou a ver as coisas a seu redor como animadas. Ele acreditava que os animais, as plantas, os rios, as montanhas, o sol, a lua e as estrelas continham espíritos, os quais era fundamental apaziguar. O antropólogo Tylor batizou a essa crença animismo e que, segundo ele, o desenvolvimento religioso caminhou paralelamente ao avanço geral da humanidade, tanto cultural como tecnológica, primeiro em direção ao politeísmo (crença em diversos deuses) e depois ao monoteísmo (crença num só deus). Alguns pesquisadores veem a religião como um produto de fatores sociais e psicológicos.
A ÁFRICA TRADICIONAL
No essencial, a África Tradicional associa-se a uma economia aldeã, considerada como de produção suficiente, ao qual associa um modo de vida rigorosamente comunitário. Mais do que em tribos ou em etnias, a identidade do continente está centrada no núcleo familiar. A família africana é uma categoria muito ampla, incluindo agregados e pessoas consideradas pelo homem ocidental enquanto parentes distantes, daí com razão, ser dominada de família extensa.
Por muitas culturas do mundo tradicional africano, a comunicação dava-se por meio da oralidade, o conhecimento era guardado por profissionais como os griots, homens de cerimónia prodigiosa que armazenavam na sua mente milhares de contos, histórias e provérbios. Deste modo, a sociedade tradicional africana, antes de ‘’não ter evoluído para a escrita’’, simplesmente optou por não utilizá-la.
Recorde-se de que do ponto de vista da africanidade, o conceito de analfabetismo é absolutamente estrangeiro. Outra ponderação importante é que a África também constitui um dos berços da escrita. No continente foram utilizados sistemas de escrita com o núbio antigo, o copta, o tifinagh, o ge’ez e o banum. A análise da sociedade, da cultura e da História da África Tradicional, deve ser feita levando em consideração toda uma série de particularidades. O surgimento dos Estados, por exemplo, ocorreu de forma diferente dos impérios asiáticos ou pré-colombianos. Estes Estados tinham a sua própria organização quer político-administrativa, socioeconómico, mágico-religiosa diferenciadas e nalgumas vezes semelhantes umas das outras.
RELIGIÃO TRADICIONAL AFRICANA
As religiões africanas devem ser analisadas sem preconceito, porque muito longe de formarem um apanhado de superstições, as noções religiosas do continente africano relacionam-se directamente com factos sociais e com a exploração dos recursos naturais, fundamentais para a permanência do mundo tradicional. Por exemplo o solo, para a maioria dos povos africanos, era entendido como um bem colectivo, assim devendo permanecer por constituir herança dos espíritos ancestrais. 
No geral, a aldeia africana mantém uma intensa relação com o meio natural circundante, do qual retira a totalidade dos elementos necessários para a sua vida. A religiosidade encontra expressão em marcas apropriadas directamente da natureza, como é o caso dos baobás, entendidos como morada dos deuses e dos espíritos. Em muitas regiões do continente africano, o baobá é assumido como a árvore da aldeia, sendo honrado pelos rituais sagrados. A Religião Tradicional Africana contém elementos de cada uma das denominações apontadas, mas nenhuma delas esgota nem explica satisfatoriamente o seu conteúdo.
Embora as manifestações desta Religião Tradicional e algumas crenças variem de zona cultural a outra e até de um grupo a outro, pode falar-se com exactidão de «Religião Tradicional Africana». A unidade das crenças, o substrato fundamental, o significado e finalidade dos cultos, ritos e símbolos e a homogeneidade das aspirações mostram-se idênticos em toda a África Negra. Os seus traços essenciais são comuns e os acidentes não rompem a unidade básica. A África Negra conserva uma religião que recebeu dos seus antepassados, como factor decisivo da sua cultura. É um dado original e específico destes povos.
Como afirma Raul Altuna no livro Cultura Tradicional Bantu:
‘’A organização política e social, os sistemas económicos e as influências recebidas do Neolítico Sariano, do Egipto faraónico, do Islão e do Cristianismo diversificaram algumas crenças e sobretudo, manifestações religiosas entre os povos pastores, caçadores ou agricultores, entre os da costa ocidental ou oriental, entre os povos da floresta e da savana ou entre os povos bantos’’.
Todavia, assim como não se pode contestar a unidade cultural básica da África Negra, assim também aparece indubitável uma atitude religiosa básica comum a toda África Negra.
A RELIGIÃO COMO PRODUTO NATURAL
Ao iluminismo coube uma certa apologia de uma “religião natural” (religio naturalis), já que pela razão era possível o conhecimento de Deus e de sua criação, pode-se indagar se no fundo desta assertiva não estaria a ideia de que existiria um sentimento religioso profundamente arraigado na chamada “natureza humana”. Por outro lado, tal perspectiva dirigia a observação para um terreno pouco propício a uma abordagem que levasse em conta a ideia de uma história das religiões e, sobretudo, as diferentes formas de expressão desse “sentimento natural”, há muito registrados por viajantes europeus em lugares habitados por povos considerados primitivos e exóticos.
Estruturando-se como disciplina ainda na primeira metade do século XIX, a etnologia dedicou-se a inventariar costumes e práticas das chamadas “sociedades naturais”, em que, na quase totalidade dos casos, a determinação religiosa parecia oferecer uma chave importante, se não fundamental, para a organização e o funcionamento destes grupos “primitivos”. Desde seu nascimento, portanto, a teoria racionalista do universalismo da natureza humana enfrentou inúmeras dificuldades. Mas o contacto com o “outro”, que há muito inaugurara uma sistemática hierarquização política e cultural, ganhou no século XIX o reforço poderoso do discurso positivista e evolucionista para a análise de sistemas religiosos diferentes e heterodoxos.
Baseado sobretudo na teoria dos três Estados formulada por Augusto Comte (1798-1857) em 1819, este modelo pregava que a humanidade passara por três estados ou atitudes mentais ao tentar conceber a realidade do mundo e da vida:
O TEOLÓGICO - em que predominaram as forças sobrenaturais;
2ºO METAFÍSICO - caracterizado pela crítica vazia e pela desordem, fruto de um liberalismo mal concebido;
3ºO POSITIVO - que superaria as explicações insuficientes do mundo ao substituir as hipóteses religiosas e metafísicas por leis científicas inquestionáveis.
Discípulo de Saint-Simon (1760-1825) ate 1824, Comte produziu a base de sua teoria em meio a um conturbado momento político que, segundo ele, ameaçava levar a Franca a anarquia, e para o qual a solução seria a adopção de um novo sistema orgânico, cientifico, mas curiosamente denominado “Religião da Humanidade”. Proposta messiânica não a toa herdeira da orientação romântica do nobre mestre admirador dos princípios racionalistas de Napoleão.
As influências do positivismo de Comte, aliadas as teses evolucionistas de H. Spencer (1820-1903), marcadas pelo modelo biológico e inspiradas pela teoria de Charles Darwin (1809-1882), certamente estiveram presentes nas conclusões de E.B. Taylor (1832-1917), sobre a cultura e a religiosidade primitivas, contidas no clássico Primitive culture, de 1871. Para Taylor o animismo — tese segundo a qual, para o homem primitivo, tudo e dotado de alma, o que explicaria o culto aos mortos e aos antepassados, além do nascimento dos deuses — era a característica original da criação religiosa, passando do politeísmo ao monoteísmo, ponto máximo de um processo de evolução espiritual. Também para J.G.Frazer (1854-1941) estas seriam as principais etapas do desenvolvimento religioso da humanidade. Estes dois últimos autores, referências fundamentais no processo de elaboração de uma história das religiões, não só procuraram demonstrar e comprovar a validade de suas interpretações eurocêntricas, como encaminharam suas reflexões a partir de uma busca da origem e da evolução da religião, aqui considerada no singular. Apesar das controvérsias com seu discípulo A. Lang (1844-1912) sobre a origem necessariamente animista das religiões primitivas, as teses de Taylor, endossadas por Frazer, tiveram grande peso nas distinções que separavam, na passagem do século XIX para o XX, magia e religião, dando-lhes agora uma conotação científica. Para Frazer, o homem primitivo, vivendo no primeiro tempo de sua história, acreditava que as regras da magia eram idênticas as da natureza, o que o levava a esperar uma resposta adequada e imediata da natureza para a solução de suas dificuldades.
Segundo Jacqueline Hermann:
‘’Conferia-se a religião um sentido pragmático, mas sobretudo social, na medida em que possuía o papel de reestruturar a vida do grupo através de uma reaproximação ritual com o tempo mítico das origens; mas o estudo do papel social das religiões, ou de suas crenças e práticas, beneficiou-se ainda da constituição de um novo campo de conhecimento que se estruturava como disciplina autónoma a partir do final do século XIX: a sociologia’’.
A RELIGIÃO TRADICIONAL COMO AGENTE DE COMUNICAÇÃO
Não existe nenhuma instituição, quer no campo social, seja no político ou ainda no económico, que não assente um conceito religioso. Durante muito tempo, afirmou-se que os povos africanos eram povos sem religião nenhuma, mas estes povos são na realidade dos mais religiosos da Terra. O homem negro-africano é u m crente por vocação. A sua fé penetra a vida e constitui-o religioso, cultural, simbólico, ritualista, celebrante. A Religião Tradicional está enriquecida com as crenças e manifestações necessárias para ser considerada como autêntica religião, noção clara de Deus.
A Religião Tradicional é caracterizada por uma unidade que brota da crença em um só Deus Criador da única vida participada.
Assim sendo, a chave para entender esta Religião Tradicional, não pode ser senão a compreensão da participação, da solidariedade vertical e horizontal, do ensaio de viver em comunhão fortificante com os canais de vida, com os meios vitais existenciais, com a comunidade. Ela procura reconhecê-los, valoriza-los, colocá-los no seu lugar exacto, propicia-los e aplica-los.
A Religião Tradicional concretiza-se quando o indivíduo e a comunidade, comunicam com o mundo invisível e com o visível através dos ritos, orações, sacrifícios, festas, ritos de iniciação, etc.
A Religião Tradicional preocupa-se com o homem na sua totalidade; isto é, é uma religião antropocêntrica, que deve activar-se em favor do homem...ela dá forma, condiciona e vivifica as instituições e manifestações familiares, sociais e políticas, a sua essência consiste na prática e não na explicação teológica…a religião não é motivo de êxtase nem de conflitos internos…o negro é tão profundamente crente como tolerante. A religião em África não se baseia só no respeito a dogmas fixos que impõem render homenagem a Deus…a religião em África é a armadura da vida…informa todas as acções públicas e privadas do homem negro…tentar compreender a África, sem a contribuição das religiões tradicionais, seria como abrir um gigantesco armário esvaziado do seu conteúdo mais precioso.
A religião na África foi e deve continuar a ser um factor dinâmico de civilização. Ele permitiu aos povos africanos superar através da sua larga história, as piores provas e deve servir-lhes de meio essencial para edificar o seu futuro e contributo para o enriquecimento espiritual da humanidade. O homem do diálogo não deve subestimar a actual influência das religiões tradicionais que moldaram o homem africano. A religião formou um ambiente de crescimento e desenvolvimento das civilizações africanas que, ainda hoje, não podemos compreender…
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
§  GAARDER, Jostein, et all (2001) ''O Livro das Religiões'', Companhias das Letras, São Paulo.
§  GIDDENS, Anthony (2010) ''Sociologia'', Fundação Calouste Gulbenkian, 4ªEdição, Lisboa.
§  PE.ALTUNA, Raul Ruiz de Asúa (2006) ''Cultura Tradicional Bantu'', Editora Paulinas, Luanda.
§  RÉMOND, Réne (2009) ''Introdução à História do Nosso Tempodo Antigo Regime aos Nossos Dias'', Gravida, Lisboa.

§  VATTEL, Emer de (2004) ‘’Direito das Gentes’’, Editora Universidade de Brasília, Brasília.
Leia também:
A África Tradicional – Maurício Waldman
História das Religiões e Religiosidades - Jacqueline Hermann